Ex-ajudante de ordens diz que chefe temia depósitos em sua conta pessoal, o que pode explicar preferência por “cash” no caso das joias
Protagonista no esquema montado no entorno de Jair Bolsonaro para transformar em dinheiro presentes de luxo recebidos pelo governo, o tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Cid tinha acesso livre para acessar as contas pessoais do então presidente da República.
Uma das primeiras missões que Cid recebeu assim que foi autorizado a cuidar das finanças de Bolsonaro foi fazer um mapeamento de todas as contas bancárias abertas em nome de Bolsonaro, conforme informações da coluna de Rodrigo Rangel, do Metrópoles. E havia várias, segundo relatado pelo próprio tenente-coronel a um interlocutor em conversa recente.
“O presidente sempre foi muito desorganizado com dinheiro. Nunca foi gastador, só que nunca controlou o dinheiro dele. Quando cheguei, comecei a procurar as contas que ele tinha, e encontrei várias contas inativas”, disse Cid, que durante o governo, operava uma espécie de caixa paralelo no Palácio do Planalto.
Em algumas das contas “esquecidas” por Jair Bolsonaro, ainda de acordo com o tenente-coronel, havia dinheiro e eles cenralizaram em apenas uma, que era conta poupança, do Banco do Brasil, sem investimento.
Se, mais recentemente, Bolsonaro não se fez de rogado ao aceitar doações em profusão que lhe renderam impressionantes R$ 17 milhões em depósitos feitos por apoiadores em sua conta pessoal, via Pix, quando estava no governo, segundo Cid, ele temia esse tipo de transação — e deixava por conta do ajudante de ordens averiguar eventuais créditos de origem desconhecida.
Na mesma conversa, Mauro Cid contou que, a certa altura, foi incumbido de trocar a conta bancária de Bolsonaro justamente porque apoiadores dele vinham fazendo depósitos de valores picados.
“Trocamos a conta dele no meio do caminho porque estavam fazendo depósito de um real, de centavos… Ele tinha medo de alguém fazer um depósito na conta dele e sempre perguntava: ‘Checou se botaram dinheiro na minha conta?’. Toda semana eu olhava lá e checava. Ele morria de medo disso. Temia uma armação, um depósito”, disse Mauro Cid.
Segundo o oficial, justamente por temer transações em sua conta que dessem origem a algum tipo de suspeita durante o mandato, Bolsonaro deu uma ordem expressa para ele não usar serviços de internet banking, especialmente por telefone celular. O então presidente também não gostava de ter cartão de crédito. “Só tinha cartão de débito.”
A preocupação de Bolsonaro com a possibilidade de transações estranhas em sua conta darem margem a suspeitas pode explicar algumas das provas obtidas pela Polícia Federal que vieram a público a partir da deflagração da operação que mirou, na sexta-feira da semana passada, os negócios envolvendo os presentes oficiais.
Em mensagem enviada em 18 de janeiro deste ano ao também militar Marcelo Câmara, outro assessor de Bolsonaro, Mauro Cid diz que havia US$ 25 mil em poder de seu pai, o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, para serem entregues a Jair Bolsonaro. A entrega deveria ser feita preferencialmente em espécie, de acordo com as mensagens.
“Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que que era melhor fazer com esse dinheiro levar em ‘cash’ (dinheiro vivo) aí. Meu pai estava querendo inclusive ir aí falar com o presidente. (…) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta. (…) Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor, né?”, disse Cid, em áudio.
Câmara foi enfático na resposta: “Melhor trazer em cachê (aqui, ele erra a grafia da palavra cash)“.
Para a Polícia Federal, as mensagens deixam evidente o “receio de utilizar o sistema bancário formal para repassar o dinheiro ao ex-presidente”.
À época da entrega, Bolsonaro ainda estava em Orlando, na Flórida, para onde viajou às vésperas de deixar o governo. Marcelo Câmara o acompanhava. Os US$ 25 mil em poder do pai de Cid que deveriam ser entregues ao ex-presidente tinham origem, de acordo com a investigação, na venda dos presentes oficiais, da qual o general havia participado.
A PF descobriu que, na trama da negociação dos presentes, Lourena Cid, que morava nos Estados Unidos, ficou com a tarefa de tentar arrumar compradores para alguns dos itens em território americano.
Segundo o inquérito, o general chegou a receber os valores referentes a uma parte das peças vendidas, como dois relógios de luxo, um Rolex e um Patek Philippe. Só essa venda rendeu US$ 68 mil, o equivalente a R$ 346,9 mil quando a transação foi feita.
A empresa que comprou os relógios fez o pagamento em 13 de junho de 2022 em uma conta americana registrada em nome de Mauro Cid, que a PF relaciona ao pai do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro.
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