Estádio: Atílio Marotti - Petrópolis RJ
Gol:
1° Anapolina - (Serrano-RJ)
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Serrano 1x0 Fla, 1980: No Dia da Bandeira, camisa do Leão pesou mais
Maior vitória serranista na História marcou data inesquecível para a torcida
Em 27/06/2015 Às 21 h27
Autor: Gabriel Andrezo
Em 19 de novembro de 1980, um clube da Região Serrana do Rio entrou para a História do futebol brasileiro e também na lembrança de milhões de torcedores país afora. Desconhecido pela maior parte dos fãs, o Serrano Foot-Ball Club fez o que parecia impossível: bater o poderoso Flamengo de Zico e evitar o que poderia ser um inédito tetracampeonato carioca para o clube da Gávea. O gol de Anapolina, marcado ainda no primeiro tempo do confronto, nunca mais deixou de ser recordado e, até hoje, é uma glória para os petropolitanos e uma pedra no sapato de qualquer rubro-negro que viveu a empolgação daquela época. Este é o tema da segunda reportagem da série "Semana Centenária", doFutRio.net, que homenageia o Serrano, que completa 100 anos nesta segunda-feira (29).
Quase um estreante na Primeira Divisão, o Serrano chegou ao Carioca de 1980 - um dos primeiros a envolver vários clubes do interior - com a montagem de um time modesto, mas surpreendente e de qualidade. A grande arma, num primeiro momento, era seu estádio: o Atílio Marotti. No alto da serra, com um clima mais frio que o normal e uma torcida apaixonada que acompanhava os jogos, o Serrano raramente encontrou dificuldades em Petrópolis.
Além disso, o time tinha jovens talentos que, mais tarde, se consagrariam em outras equipes. A começar pelo goleiro Acácio. Na época, ele tinha apenas 21 anos. Oriundo do Americano de Campos, o arqueiro acabou chegando ao clube petropolitano para realizar um mero teste. Mas sua qualidade era tanta que acabou sendo aprovado. Ainda melhor para ele foi o fato de atuar como titular durante a temporada, oportunidade que foi bem aproveitada, com atuações sólidas em partidas importantes.
- Foi do Serrano que eu pude sair para abrir minhas portas no futebol brasileiro. Fui para o Vasco, onde fiquei nove anos e meio, depois para a Seleção, graças ao Serrano. Cheguei ao clube só para fazer um teste e acabei aprovado. O que me marcou mais foi o jogo diante do Flamengo, em 1980. Devo grande parte da minha vida ao Serrano porque foi lá que, de certa forma, comecei a construir minha família. Sou casado com uma petropolitana e tenho filho nascido em Petrópolis - lembra o goleiro, em entrevista ao FutRio.
Mas nem só de um grande goleiro era formado o Serrano de 80. Nomes como os laterais Paulo Verdun e Cândido também chamavam atenção. No meio-campo, Israel era o carregador de piano: primeiro volante, forte na marcação e com uma disposição de ferro. E foi com essa equipe que os serranistas tiveram a chance de enfrentar os grandes clubes cariocas naquele Estadual. Porém, o desafio da penúltima rodada, em 19 de novembro, seria o mais importante deles. Menos pelas chances de classificação do Leão da Serra - àquela altura, já nenhuma - mas pela oportunidade de gravar para sempre seu nome na História.
Vitória sobre o Flamengo virou documentário
Do outro lado, naquela tarde, estaria o Flamengo, de Cláudio Coutinho, que era uma máquina: Raul; Leandro, Luis Pereira, Marinho e Junior; Vitor, Adilio e Zico; Tita, Anselmo e Edson. Qualquer prognóstico que não fosse uma vitória rubro-negra seria apontado como gozação. Porém, aquela rodada já tinha reservado surpresas negativas para outros gigantes do futebol carioca. O Botafogo perdera para o Bangu em Moça Bonita, por 1 a 0. E o Fluminense também caiu, no Ítalo del Cima, para o Campo Grande. Nada, porém, parecia abalar a confiança rubro-negra, apesar da necessidade da vitória e da ciência de que o jogo na serra era decisivo.
A partida é retratada com detalhes em um documentário chamado "1x0: A História de um Gol" (assista abaixo, na íntegra), produzido pelo jornalista Eduardo Monsanto. O filme, de 24 minutos, foi feito em 2001 e conta com entrevistas e depoimentos de várias pessoas que estiveram na partida, entre jogadores, jornalistas, dirigentes e outros. De fato, naquela tarde, outras 15 mil pessoas também estiveram no Marotti e o lotaram para acompanhar o jogo. Ao fim dos 90 minutos, quem se consagraria era, talvez, o nome menos esperado para isso: o ponta-esquerda Anapolina, 25 anos. Assim como Acácio, chegou ao Serrano apenas para um teste e, ainda assim, por influência de uma namorada petropolitana. Ganhou o apelido porque o técnico serranista, Pinheiro, não conseguia decorar seu nome, Elimar. E ficou Anapolina, seu último clube antes do próprio Serrano.
- Foi a oportunidade de ouvir uma história da qual eu sempre ouvi falar. Isso era quase uma lenda em Petrópolis. O Anapolina era torcedor do Flamengo e o fato de ter feito aquele gol foi ainda mais contraditório. Tive que ir atrás dele para fazer o documentário porque nunca mais ninguém ouviu falar nele. Encontrei o Anapolina em Matias Barbosa (MG), onde ele trabalhava como motorista de caminhão. Foi um parto falar com ele, conseguir algum depoimento dele. O Anapolina não queria falar nisso de jeito nenhum, foi hostil com a gente no telefone. Aí, soube que ele jogava uma pelada de veteranos aos domingos e cheguei de surpresa. Parei no bar, tomei umas duas ou três cervejas com ele e consegui fazer com que ele falasse. Acabamos conseguindo um registro histórico - diz Monsanto.
Nem mau tempo evitou realização do jogo
Na quarta-feira do confronto, o dia foi bonito, mas o tempo começou a mudar no começo da noite. A densa neblina que tomava conta do estádio se dissipou e deu lugar a uma forte chuva. Minutos antes da bola rolar, o campo estava encharcado e havia até comentários sobre uma possível não-realização da partida. Acácio, goleiro serranista na ocasião, garante que não foi só esse o burburinho que tomava conta dos bastidores do estádio em Petrópolis:
- Antes do jogo, teve uma neblina imensa que cobriu a cidade. Depois, veio a chuva forte e encharcou o campo. Do lado do Flamengo, rolaram até uns comentários de que o jogo não ia começar, outros diziam que queriam jogar para "nos golear logo de uma vez". Isso, eu ouvi depois, mas o jogo em si foi muito marcante.
Mas a bola rolaria, sim. E no horário marcado, às 21h15. Já treinado na altura por Luis Carlos Quintanilha, entrou em campo o Serrano com Acácio; Paulo Verdun, Paulo Ramos, Renato e Cândido; Israel, Moreno e Wellington; Humberto, Luis Carlos e Anapolina. Se a escalação não tinha nomes lá muito famosos na época, o Leão da Serra já tinha dado mostras de que não estava para brincadeira no campeonato. Bateu os poderosos Botafogo, America e Bangu dentro do Atílio Marotti e estava disposto a fazer história mais uma vez. Só que, desta vez, era um clube com o tamanho e a torcida do Flamengo, que encheu sua área no campo petropolitano, na ânsia de ver os fabulosos rubro-negros manterem vivo o sonho do tetra.
Já era sabido que o Serrano exploraria os contra-ataques, o que fez o técnico rubro-negro Cláudio Coutinho pedir aos jogadores para que "decidissem o jogo logo no começo". É verdade que a equipe tinha desfalques como Nunes, Rondinelli e Carpegiani, mas ainda era franco-favorita para o duelo. Ironicamente, foi logo no começo que a cara da partida mudaria. Dezenove minutos após o apito inicial de Aluísio Felisberto da Silva, Zico carregava a bola pelo meio-campo do Flamengo, mas adiantou demais a bola. Quem a interceptou foi Anapolina que, rapidamente, lançou Luis Carlos na direita. No gramado empoçado, o atacante foi até o bico direito da área, mas a bola saiu mal dos pés do jogador. Por causa do mau estado do campo, a bola acabou batendo num buraco e parando. Marinho e Luis Pereira correram, mas foram pegos no contrapé pela trajetória da bola, o que fez com que Anapolina, que corria na melhor direção, acertasse de primeira, vencendo Raul. Gol do Serrano.
- O Zico adiantou a bola e eu estava fechando pelo meio. Tomei a bola no campo escorregadio e toquei para o Luis Carlos. Ele entrou e chutou mal e, no que saí em velocidade, ela saiu cruzada na minha direção. Um erro dele que acabou dando certo. Dei sorte porque peguei bem na bola, foi no peito do pé. Eu vibrei com o gol, mas não sabia que ficaria só no 1 a 0. Se o Acácio não pegasse tudo que pegou naquela noite, era 3 a 1 ou 4 a 1, e ninguém lembraria de mim. Eu sempre fui Flamengo, mas lá dentro de campo, não tem essa. Primeiro eu, depois o Flamengo - disse o próprio Anapolina, numa entrevista em 2001.
Acácio brilhou: "Melhor jogo da minha vida"
A incredulidade logo deu lugar aos muxoxos de alguns rubro-negros, que podem ter dito algo como "vamos virar", sem muita preocupação. Ainda tinha muito jogo pela frente. Porém, o que se viria dali em diante foi um show de Acácio. Por mais que o Flamengo estivesse longe do brilhantismo naquela noite - Júnior foi duramente marcado por Gilberto - ainda criou chances suficientes para, pelo menos, empatar o jogo. E o arqueiro serranista pegava tudo. No segundo tempo, uma falta perto da área parecia ser a chance rubro-negra. Zico partiu, como sempre, com grande categoria para a bola, e bateu no ângulo. Mas, lá estava Acácio, para espalmar e evitar o gol.
- Essa foi a melhor partida que fiz na minha vida, ao lado da final do Brasileiro de 1989 (São Paulo 0x1 Vasco, no Morumbi). Na minha carreira, ganhei muitas outras vezes do Flamengo, mas tudo começou de vez ali, naquela noite - afirma o goleiro.
A noite parecia mesmo não ser do Flamengo. Zico deixou o campo com uma distensão na coxa após sofrer intensa marcação de Israel. E, no finzinho, o Serrano só não aumentou porque Anapolina, o herói improvável, cansou. Correu 40 metros em um dos vários contra-ataques cedidos pelo Flamengo, mas perdeu o pique no final e acabou não conseguindo deixar sua segunda marca. Talvez fosse demais para o ponta que, até aquele jogo, só tinha marcado duas vezes com a camisa serranista. O apito final decretou o começo da festa em Petrópolis e a derrocada do Fla, que ficaria fora da final do segundo turno. Como o primeiro fora vencido pelo Fluminense, aquela era a última chance do tetra. No fim, deu Vasco, que acabou batido na decisão por um gol de Edinho. Para os rubro-negros, o tetra passou a ser apenas um sonho.
A vitória foi tão lendária - e surpreendente - que torcedores rivais fizeram troça do Flamengo logo após o apito final. "TetrAnapolina" foi a pixação que se viu nos muros da Gávea na quinta-feira. Já na noite da vitória, foi difícil para que os jogadores do Serrano deixassem o estádio, ante a ira dos derrotados flamenguistas. O pequeno clube do interior batia o gigante da capital. Era a vitória mais importante em 65 anos de clube, suficiente para que o torcedor sempre seja capaz de se recordar de um dos resultados mais surpreendentes do futebol carioca em todos os tempos. Porém, seu herói, Anapolina, não está mais por aí para contar a história. Ele faleceu em 2013, aos 58 anos, na mesma Matias Barbosa onde nasceu e de onde saiu para defender o Serrano. Apesar da glória eterna em vida, o antigo ponta-esquerda não se preocupava com as recordações populares por causa de seu feito:
- Enquanto eu estiver vivo, isso vai ser lembrado. Mas, depois de morto, não faço muita questão de que lembrem de mim, não.
Melhor para Anapolina - e para o Serrano - é que a História nunca se esquece de quem a construiu.
Neste domingo (28), a segunda matéria da série "Semana Centenária: Serrano Foot-Ball Club".
http://www.futrio.net/site/noticia/detalhe/35183536/serrano-1x0-fla-1980-no-dia-da-bandeira-camisa-do-leao-pesou-mais
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