Rafael Fernandes - Pela primeira vez, cientistas identificaram a variante de um gene específico como possível iniciadora da “poda sináptica”, que aumenta ativamente o risco de uma pessoa desenvolver esquizofrenia, um dos problemas de saúde mental mais graves e comuns no mundo.
As causas da esquizofrenia têm deixado os cientistas frustrados há mais de um século, porque é praticamente impossível produzir um modelo preciso em células ou animais vivos. Mas, agora que foram identificados genes provavelmente envolvidos no processo, eles podem descobrir como reduzir a sua influência sobre a poda sináptica durante a adolescência. A perspectiva é desenvolver melhores opções de diagnóstico e tratamento no futuro.
“Pela primeira vez, a origem da esquizofrenia não é uma caixa preta completa”, disse Eric Lander, diretor do Broad Institute of MIT and Harvard, que não estava envolvido na pesquisa.
“Ultimamente, temos visto a possibilidade de compreender o mecanismo biológico da doença em outros ambientes. As primeiras descobertas sobre os mecanismos biológicos do câncer nos têm levado a muitos tratamentos novos e a centenas de drogas em desenvolvimento como candidatas ao sucesso. Compreender a esquizofrenia pode acelerar o progresso contra esta doença devastadora que atinge tantos jovens.”
Em 2014, uma equipe de pesquisadores da Harvard Medical School realizou um estudo genético baseado em 36.989 dos casos de esquizofrenia e 113.075 controles, identificando 108 regiões do nosso DNA cujas variantes genéticas aumentam o risco de uma pessoa sofrer de esquizofrenia.
Agora que eles já combinaram isto com dados de uma análise genética de cerca de cem mil amostras de DNA de 30 países, amostras de cérebros inativos de quase 700 pacientes, e modelos animais dos processos biológicos envolvidos, para identificar o gene que está associado ao risco mais elevado de desenvolver a doença.
Conhecido como componente do complemento 4 (C4), o gene está associado com o sistema imunológico e o desenvolvimento do cérebro, no qual os investigadores descobriram a significativa variante. A análise genética de mais de 65.000 pessoas – com e sem esquizofrenia – identificou que aqueles que transportam uma variação específica do gene, mais expressivo do que no sistema imunológico, tinham um risco mais elevado de desenvolver esquizofrenia na adolescência.
Quando os pesquisadores testaram essa conexão em camundongos, descobriram que a C4 está fortemente envolvida no processo de poda sináptica que ocorre naturalmente no cérebro à medida que amadurece, ao longo da infância e adolescência. Quanto maior a expressão do gene C4, mais sinapses (ligações entre os neurônios) foram cortadas.
Como Clare Wilson explica sobre a New Scientist: a função da C4 é se ligar com micróbios, como um sinal para as células do sistema imunológico os “comerem”. “Pela engenharia genética de camundongos que carecem de C4, a equipe mostrou que ela tem uma segunda função no cérebro”, diz ela. “Aqui, a C4 liga neurônios nos pontos onde eles se conectam com outros neurônios, e sinais de que essas conexões, ou sinapses, também devem ser ‘engolidas’ por células do sistema imunológico.”
A análise do tecido cerebral de pacientes humanos com esquizofrenia, mostrou que eles tendem a ter menos ligações entre os neurônios, que fornece a evidência adicional de que a presença de uma variante altamente ativa de gene C4 poderia cortar conexões neurais no cérebro, colocando o indivíduo em um risco aumentado de desenvolver as características de esquizofrenia, tais como alucinações, limitações emocionais graves e um declínio da função cognitiva.
Esta é a primeira vez que pesquisadores conectaram uma origem genética específica com um processo biológico que poderia ser uma relação causal com os sintomas desta doença psiquiátrica. E o fato de que a poda sináptica é mais ativa no cérebro durante a adolescência, fortalece ainda mais a possibilidade da C4 ser a raiz. A adolescência é, de longe, a idade mais propícia para os sintomas da esquizofrenia aparecerem.
“Este estudo marca um ponto crucial na luta contra a doença mental,” Bruce Cuthbert, diretor interino doNational Institute of Mental Health, que não estava envolvido na pesquisa, “Pelas origens moleculares de doenças psiquiátricas serem pouco compreendidas, os esforços das empresas farmacêuticas que procuram novas terapias são poucos e distantes entre si. Este estudo muda o jogo. Graças a esta descoberta genética, finalmente poderemos ver o potencial para testes clínicos, a detecção precoce, novos tratamentos, e até mesmo a prevenção.”
A equipe enfatiza que tratamentos e possíveis curas ainda estão muitos distantes, e os cientistas ainda precisam descobrir exatamente o papel que essas variantes têm no processo de poda sináptica, mas nunca houve situação melhor para abordar esta doença, e isso é algo certamente animador. Os resultados foram publicados na revista Nature.[ Science Alert ] [ Foto: Reprodução / VotuNews ]
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