A presidente acertou ao ir ao Congresso para propor diálogo sobre a reforma fiscal. A negociação implica também concessões do governo na ideia de recriar a CPMF
TERRITÓRIO HOSTIL
Dilma foi vaiada ao falar na CPMF em seu discurso. Apesar do constrangimento, a presidente acertou ao ir ao Congresso (Foto: CHARLES SHOLL/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO)
Na terça-feira, dia 2 de fevereiro, a presidente Dilma Rousseffcompareceu, pessoalmente, à cerimônia de abertura do ano legislativo no Congresso Nacional para entregar a mensagem do Executivo aos parlamentares. Desde o governo José Sarney, que marcou a redemocratização do país, esta foi a primeira vez em que um presidente da República, fora do início do mandato, toma essa iniciativa. A não ser em começo de mandato, como Dilma fez em 2011, a tarefa de entregar a mensagem é atribuída, de praxe, ao chefe da Casa Civil.
O gesto de Dilma pode ser interpretado como mais um sinal da gravidade da crise por que passa o Brasil. Mas deve ser saudado também como um reconhecimento por parte da presidente – que não se notabilizou no primeiro mandato pela abertura ao diálogo – de que não haverá saídas para a atual crise sem a construção de consensos em torno de algumas medidas. A presidente já havia adotado essa postura mais humilde e conciliadora na reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, oConselhão, com lideranças empresariais, sindicais e da sociedade civil. Mas era importante que ela tivesse a mesma atitude perante o Congresso Nacional, sem a mediação do qual a construção desses consensos não será possível.
Para além do simbolismo dos gestos, o discurso de Dilma conteve também algumas mensagens importantes. A presidente enfatizou a necessidade de uma agenda de reformas com o objetivo de dar sustentabilidade às contas públicas a médio e longo prazos, reduzir o crescimento dos gastos primários do governo (ainda que ela tenha falado em metas “flexíveis”) e de criar um cenário de maior confiança na economia brasileira. Entre essas reformas, Dilma destacou, mais uma vez, a do sistema de Previdência Social, para adequá-lo ao envelhecimento da população.
Dilma limitou-se a conceitos genéricos e não detalhou propostas – que ainda estão sob estudos da área técnica e poderiam incluir a unificação dos diferentes regimes de Previdência, com o fim das regras de aposentadoria que hoje diferenciam homens e mulheres, trabalhadores rurais e urbanos, servidores públicos e trabalhadores do setor privado. É preciso que Dilma ainda dê desdobramentos concretos a seus discursos em favor da reforma da Previdência. Mas foi importante que ela tenha registrado que as mudanças no sistema previdenciário não são uma medida em benefício do atual governo, pois seu impacto fiscal será mínimo no curto prazo. Parecia um recado dirigido à oposição, que deveria entender que a reforma da Previdência é uma questão de Estado e tentar trabalhar para obter convergências em torno dela – em seu próprio interesse.
A construção de consensos implica que o governo faça também concessões. A presidente deveria interpretar as estrepitosas vaias recebidas do plenário do Congresso, quando mencionou a ressurreição da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), como um estímulo para desistir da ideia da recriação do imposto do cheque – ainda que temporária, como promete Dilma. Além de ser rejeitada pela sociedade, asfixiada por uma carga tributária na casa de 36% do Produto Interno Bruto (PIB), a CPMF, por incidir em todas as transações bancárias, é um imposto muito ruim. Ela tem um efeito cascata, onera toda a cadeia de produção e gera desemprego. Ou seja, como o grosso das medidas econômicas tomadas durante o governo Dilma, acaba por afetar os mais pobres.
Obviamente, a negociação em torno da reforma fiscal é muito complexa, pois exige uma espécie de pacto de redistribuição de custos entre vários segmentos da sociedade. A complexidade dessa agenda é aumentada pela fragilidade política do governo Dilma Rousseff e pela implosão de sua base de sustentação no Congresso pela Operação Lava Jato. Tanto o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro, quanto o presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB de Alagoas, que receberam Dilma na cerimônia no Congresso, estão sob o cerco das investigações.
Independentemente das dificuldades e das ressalvas que possam ser feitas às propostas do governo, é importante reconhecer que a presidente Dilma Rousseff está tentando sair das cordas e recuperar algum protagonismo, como diz o ex-ministro Delfim Netto, seu conselheiro. Para isso, é importante esboçar uma agenda de médio e longo prazo para a questão fiscal, o problema fundamental do país. É um passo na direção correta. Onerada por uma brutal recessão econômica e pelo crescimento do desemprego, a sociedade está cansada dos joguinhos de poder e quer que os políticos providenciem saídas para a crise.
Nenhum comentário:
Postar um comentário