Salta aos olhos uso incorreto de letras como em ‘seje’ ou ‘meza’, por exemplo. Outro dia, reclamei de um erro assim, e a pessoa com quem me correspondia alegou: ‘É a preça’.
Talvez seja uma injusta simplificação atribuir à internet toda a responsabilidade pelo vexame do Enem 2014, em que incríveis 500 mil candidatos tiraram nota zero em redação. Pode ter sua parcela de culpa, mas é preciso reconhecer que graças a ela nunca se exercitou tanto a prática da escrita. É difícil encontrar alguém no mundo de hoje que não redija pelo menos alguns e-mails por dia, sem contar os posts em blogs, sites, Twitter e Facebook, além, claro, do WhatsUpp.
Conheço adolescentes que não escreviam, mas, para não ficarem isolados no grupo, passaram a usar essas ferramentas a fim de ter com quem conversar virtualmente. O problema não é de quantidade, mas de qualidade. Os jovens estão escrevendo muito, mas mal (ou “mau”, como diriam alguns), estropiando a língua com as reduções (tb, vc, naum, pq) e as infrações gramaticais: falta de acentuação e pontuação, concordância errada, desconhecimento do sentido das palavras.
Das três dimensões da linguagem — a ortográfica, a sintática e a semântica — a primeira é a mais visível, mas é a última, a do significado, a que sofre mais com a crise da palavra escrita. Salta aos olhos o uso incorreto de letras como em “seje” ou em “meza”, por exemplo. Outro dia, reclamei de um erro assim, e a pessoa com quem me correspondia alegou: “É a preça”.
Disse-lhe então que “pressa” demora apenas uma letra a mais para ser digitada e tem a vantagem de estar certa. É inaceitável, mas a semântica é que é fundamental para impedir o analfabetismo funcional. Dos quase seis milhões de estudantes que tiveram suas provas corrigidas, apenas 250 alcançaram nota máxima, ou seja, só essa minoria soube se comunicar por escrito.
Uma vez li um texto indignado de um internauta contra o escândalo na Petrobras. “O pior nesse país”, dizia, “não é a corrupção, mas a falta de impunidade”. Ele quis reclamar justamente do contrário: não da falta, mas do excesso. Em contexto parecido, flagrei outro atentado ao sentido de um termo: “Isso é ruim para a nossa alta estima”. O autor não sabia a diferença entre “alto” e “auto”.
O tema, considerado mais difícil, “Publicidade infantil no Brasil”, pode ter contribuído para os baixos resultados deste ano, mas a má qualidade do ensino, reconhecida pelo próprio ministro da Educação, Cid Gomes, também merece zero, por não priorizar a leitura e não reforçar a dissertação. Alunos que tiraram nota mil revelaram o quanto o hábito de ler e escrever foi importante para eles.
A sergipana Lorena Araújo, de 19 anos, por exemplo, deu a fórmula para ter sido uma das 250 estudantes a alcançar a nota máxima no Enem: “O segredo da redação está na técnica e na prática”. E acrescentou: “além de escrever muito, procuro ler de tudo, por necessidade e por gosto”.
A receita é infalível.
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