“Eu lembro o dia exato em que descobri que eu era soropositiva. Minha irmã tinha perdido sangue no nascimento do meu sobrinho e eu me candidatei para doar. O exame que tem que ser realizado antes, pelo laboratório, deu positivo para o HIV. Eu tinha sido infectada pelo meu marido, que já tinha enterrado uma namorada com a mesma doença. Estávamos juntos há dez anos, eu não podia nem imaginar. Ele morreu cinco anos depois de doenças recorrentes da AIDS, fiquei ao lado dele até o fim. Grande parte da família dele virou as costas, tinham medo, preconceito. A pessoa que mais foi prejudicada, eu, não consegui rejeitá-lo. Ele foi o amor da minha vida. Hoje, casei novamente, tive um filho, que nasceu completamente saudável. Meu atual esposo não sabe que sou HIV positiva, provavelmente ele já tem o vírus, tenho medo da reação dele”, R.C, 43 anos, soropositiva há 15 anos. Uma pesquisa divulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que o número de pessoas infectadas pelo vírus HIV no Brasil aumentou 11% no período de 2005 a 2013. Segundo a ONU, este desempenho é o contrário do que vem ocorrendo em outros países, como Peru e México, que tiveram redução de 26% e 39%, respectivamente. Em todo o mundo, a redução foi de 38% desde 2001.O número de óbitos em decorrência da Aids também aumentou no Brasil. De 2005 a 2013, houve um acréscimo de 7%. Ainda de acordo com o estudo “The Gap Report”, do Programa Conjunto das Nações Unidas HIV/Aids (UNAIDS), 54% dos soropositivos no mundo ainda não descobriram que têm o vírus HIV. No Brasil, outro número chama atenção. Menos da metade (41%) dos brasileiros portadores do vírus, estão recebendo terapia antirretroviral, uma medida fundamental para reduzir o número de mortes por complicações e doenças relacionadas ao vírus HIV. Em Salvador, de acordo com dados da Secretária Municipal de Saúde(SMS), os índices de novos casos em adolescentes de 15 a 19 anos dobraram em comparação ao ano passado. Onze em 2013, contra 22 novos casos da doença em jovens desta faixa etária, em 2014. O aumento de casos se estende também em pessoas de 50 a 64 anos, com 69 casos (de janeiro a setembro de 2013) e 82 (mesmo período em 2014). Até outubro deste ano, já foram notificados 619 casos, sendo 401 em homens e 218 em mulheres. Em todo o estado foram 2.794 notificações da doença.
O preconceito mata - “Quando você descobre que tem HIV, um mundo de portas se fecham na sua mente, e a única coisa que você pensa é que a sua vida acabou. Eu demorei muito tempo até entender que poderia me relacionar com outra pessoa. Na minha cabeça, se amigos que me conheciam antes da doença me viraram as costas, imagine uma pessoa que já me conheceu doente? Até hoje eu sofro com a possível reação do meu atual marido, no dia que ele descobrir que também foi exposto ao vírus,” R.C, casada e mãe. Segundo dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), os pacientes com Aids em tratamento no Brasil sofrem mais com problemas psicológicos ou sociais do que com a ação do vírus no organismo. A pesquisa aponta que 33% dos portadores afirmaram ter tristeza ou depressão em grau intenso ou muito intenso. Do total, 47% disseram sentir preocupação ou ansiedade em grau intenso ou muito intenso. O estudo revela que ainda existe muito preconceito e discriminação em relação ao HIV, já que mais de 20% dos entrevistados relataram ter perdido o emprego após o diagnóstico. Pesquisas ainda mostram que o risco de suicídio para quem convive com o vírus é de 35 a 40 vezes maior quando comparados com HIV negativos.
Incidência maior em homossexuais - O relatório “The Gap Report” da ONU traz diversas evidências de que o vírus HIV continua sendo transmitido de forma concentrada em algumas populações.No mundo todo, homossexuais têm probabilidade 19 vezes maior de ter o vírus HIV do que a população em geral. Este é o grupo com a maior prevalência do vírus HIV na América Latina: 60% dos soropositivos da região são homoafetivos. Além disso, a probabilidade de ter o vírus HIV entre mulheres transgênero é 49 vezes maior do que no restante da população adulta.A prevalência do vírus HIV entre as profissionais do sexo é 13 vezes e meia maior do que entre todas as mulheres de 15 a 49 anos de idade. O estudo aponta ainda que dos 12,7 milhões de usuários de drogas injetáveis no mundo, 13% tem o vírus HIV. Apesar dos dados apresentados pela ONU, é importante lembrar que qualquer pessoa que tenha vivido uma situação de risco, ou seja, tenha feito sexo sem camisinha, pode ter contraído o HIV.
HIV não é AIDS - Ter o HIV não é a mesma coisa que ter a Aids. Há muitos soropositivos que vivem anos sem apresentar sintomas e sem desenvolver a doença. Mas podem transmitir o vírus a outros pelas relações sexuais desprotegidas, pelo compartilhamento de seringas contaminadas ou de mãe para filho durante a gravidez e a amamentação. De acordo com Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, do governo federal, quando ocorre a infecção pelo vírus causador da Aids, o sistema imunológico começa a ser atacado. E é na primeira fase, chamada de infecção aguda, que ocorre a incubação do HIV - tempo da exposição ao vírus até o surgimento dos primeiros sinais da doença. Esse período varia de 3 a 6 semanas. E o organismo leva de 30 a 60 dias após a infecção para produzir anticorpos anti-HIV. Os primeiros sintomas são muito parecidos com os de uma gripe, como febre e mal-estar. Por isso, a maioria dos casos passa despercebido. A próxima fase é marcada pela forte interação entre as células de defesa e as constantes e rápidas mutações do vírus. Esse período, que pode durar muitos anos, é chamado de assintomático. Com o frequente ataque, as células de defesa começam a funcionar com menos eficiência até serem destruídas. O organismo fica cada vez mais fraco e vulnerável a infecções comuns. Os sintomas mais comuns são: febre, diarreia, suores noturnos e emagrecimento. A baixa imunidade permite o aparecimento de doenças oportunistas, que recebem esse nome por se aproveitarem da fraqueza do organismo. Com isso, atinge-se o estágio mais avançado da doença, a aids. Quem chega a essa fase, pode sofrer de hepatites virais, tuberculose, pneumonia, toxoplasmose e alguns tipos de câncer.
É importante fazer o teste - O diagnóstico da infecção pelo HIV é feito a partir da coleta de sangue. No Brasil, existem os exames laboratoriais e os testes rápidos, que detectam os anticorpos contra o HIV em até 30 minutos, colhendo uma gota de sangue da ponta do dedo. Esses testes são realizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), nas unidades da rede pública e nos Centros de Testagem e Aconselhamento - CTA. Os exames podem ser feitos inclusive de forma anônima. A infecção pelo HIV pode ser detectada com, pelo menos, 30 dias a contar da situação de risco. Isso porque o exame (o laboratorial ou o teste rápido) busca por anticorpos contra o HIV no sangue. Esse período é chamado de janela imunológica.
Em Salvador, é possível fazer o teste no CTA Estadual de Salvador - Centro de Referência Estadual de Aids (CREAIDS), no bairro do Garcia. Além disso, o CTA Marymar Novais, no Bonfim, também realiza o exame gratuitamente. Também é possível saber onde fazer o teste pelo Disque Saúde (136). Após o teste, o portador recebe todas as informações necessárias e é encaminhado para iniciar o tratamento. Saber do contágio pelo HIV precocemente aumenta a expectativa de vida do soropositivo. Quem busca tratamento especializado no tempo certo e segue as recomendações do médico ganha em qualidade de vida. Além disso, as mães soropositivas têm 99% de chance de terem filhos sem o HIV se seguirem o tratamento recomendado durante o pré-natal, parto e pós-parto.
Existe esperança - Apesar dos números desfavoráveis do Brasil no combate ao HIV, a UNAIDS aponta vários progressos a nível mundial, como a diminuição das infecções por HIV (principalmente da mãe para o feto), a diminuição das mortes relacionadas à Aids e o aumento do número de pessoas diagnosticadas e que estão recebendo tratamento. O objetivo da ONU é acabar com a epidemia de Aids até o ano de 2030. “Vivo com o HIV há 15 anos, e com todo o orgulho do mundo eu digo que eu vivo, não simplesmente sobrevivo, existe uma diferença bem grande nas palavras. Tenho um filho lindo, curto a vida, tenho amigos, amo e sou feliz. Apesar de todas as dificuldades que uma doença como essa pode trazer é importante pensar que é preciso continuar, seguir em frente. Hoje, existe tratamento, a alguns anos nem isso tinha. Quem sabe um dia descubram a cura? Diferente de outras pessoas que um dia acordam e descobrem que tem um câncer terminal, eu tenho a oportunidade de lutar e continuar vivendo. A Aids me deu a oportunidade de ver a vida de uma outra forma. Saber que nada dura para sempre talvez seja a forma de amar tudo da melhor forma possível,” R.G, portadora do HIV e feliz. (Tribuna da Bahia)
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