Desde o início da década, as autoridades brasileiras enfrentam uma dificuldade descomunal para impedir que criminosos presos tenham acesso a telefones celulares. Em 2002, por exemplo, o Jornal Nacional revelou a compra de um míssil de dentro de um presídio de segurança máxima, no Rio de Janeiro.
Nesta segunda-feira (20), de Porto Alegre, Guacira Merlin e Giovani Grizotti mostram a que ponto chegou o poder de comunicação dos bandidos.
160 agentes fizeram batidas em Porto Alegre e em Alvorada, na região metropolitana. 25 pessoas foram presas, suspeitas de distribuir drogas. Segundo as investigações, elas eram chefiadas por Nataniel da Silva, que está, desde 2009, no Presídio Central de Porto Alegre.
Gravações feitas pela Polícia Civil, com autorização da Justiça, mostram que, pelo celular, de dentro do presídio, ele recebia informações sobre a contabilidade da quadrilha.
Traficante: Depósito ‘on line’, valor de nove mil reais, entendeu?
Nataniel: ‘Tá’.
Nataniel: ‘Tá’.
Os investigadores descobriram que depósitos eram feitos em nome de laranjas e que, com o uso de senhas, Nataniel e seus comparsas movimentavam 30 contas bancárias. Tudo pela internet, acessada, inclusive, pelo celular do preso. Na gíria da cadeia, a palavra ‘bara’ quer dizer R$ 1 mil.
Nataniel: Pede a senha ‘on line’, que terça-feira eu deposito uns três "bara" pra ti, lá.
Traficante: Ah, ‘tá’ na mão.
Traficante: Ah, ‘tá’ na mão.
A ousadia dos detentos do Presídio Central de Porto Alegre não para por aí. Ligações gravadas pelos investigadores mostram presos entrando em contato com tribunais e até com o Ministério Público, em busca de informações sobre os processos a que respondem. Para quem está do outro lado da linha, os criminosos se identificam como advogados.
Em um trecho, um traficante preso chega a ligar para o Superior Tribunal de Justiça, no Distrito Federal, e pede informações sobre um ‘HC’, um Habeas Corpus.
Traficante: Da onde fala?
Atendente: Do STJ.
Traficante: STJ em Brasília, né?
Atendente: Isso!
Traficante: Por gentileza, eu precisaria verificar o número do ‘HC’, pelo nome da parte. Teria como verificar pra mim, por favor?
Atendente: Sim, vou transferir o senhor para informações processuais.
Atendente: Do STJ.
Traficante: STJ em Brasília, né?
Atendente: Isso!
Traficante: Por gentileza, eu precisaria verificar o número do ‘HC’, pelo nome da parte. Teria como verificar pra mim, por favor?
Atendente: Sim, vou transferir o senhor para informações processuais.
O preso também liga para o Tribunal de Justiça gaúcho.
Atendente: Tem um Habeas de 8 de março, é esse?
Traficante: Dia 8, isso mesmo. É isso aí.
Traficante: Dia 8, isso mesmo. É isso aí.
Ao Ministério Público, ele se apresenta como ‘Doutor’.
Traficante: Marcela, é o Doutor Eduardo, bom dia!
Em seguida, pede que o processo seja agilizado.
Traficante: ‘Tu’ já tomou nota do processo... então assim que chegar, se ‘tu’ puder dar uma priorizada pra mim, vou ficar muito agradecido, ‘tá’?
Atendente: Tá certo, doutor.
Atendente: Tá certo, doutor.
Ainda se passando por Doutor Eduardo, o preso liga de novo para a Justiça gaúcha e consegue todas as informações de que precisa, com a seguinte desculpa:
Traficante: Não consegui localizar, ‘tá’ com problema a minha internet aqui.
Atendente: Tem porte de arma, dois processos de porte de arma, 2010. Tem roubo...
Traficante: ‘Tá’, me passa estes dois.
Atendente: Tem porte de arma, dois processos de porte de arma, 2010. Tem roubo...
Traficante: ‘Tá’, me passa estes dois.
De acordo com a Justiça do Rio Grande do Sul, apenas informações públicas, disponíveis para qualquer cidadão, foram passadas ao criminoso preso.
“O preso, como qualquer brasileiro, tem o direito de saber a situação do processo dele. O que está errado é ele fazer isto pessoalmente, por telefone, de dentro do presídio”, afirma o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Tulio Martins.
A delegada Graciela Foresti, que comandou as investigações, diz que os telefonemas são uma afronta à sociedade.
“Um deboche ao estado, no sentido de não se submeter ao poder estatal e chegar ao ponto de ter a convicção que fazendo uma ligação de dentro de um presídio, ele não vai ser identificado”.
A direção do Presídio Central de Porto Alegre admitiu que é muito difícil controlar a entrada de celulares, mas afirmou que faz revistas semanalmente.
De janeiro a julho, 850 aparelhos foram apreendidos com os presos.
O Superior Tribunal de Justiça declarou que fornece informações, por telefone, a qualquer cidadão sobre o andamento dos processos, seja ele advogado ou a parte interessada. Segundo o STJ, não há como saber de onde a pessoa está ligando. De http://g1.globo.com/jornal-nacional/
Nenhum comentário:
Postar um comentário