Por 70 vezes, o coração parou. Por 70 vezes, ele foi reanimado e voltou à vida. Tudo isso num período de 12 horas. Inédito na cardiologia brasileira, o caso do eletricista mineiro Francisco Xagas Silva, 66, intriga médicos e deve ser publicado em breve no periódico "Ressuscitation", referência mundial na área. Tudo começou com um infarto, no dia 31 de dezembro de 2008. À época, ele fumava dois maços de cigarro por dia. Ao ver o marido com dor no peito, pálido e com diarreia, a mulher, Fidélia, 55, chamou o Samu. Foi a sorte. Na ambulância, ele desmaiou. No pronto-socorro, teve a primeira parada cardíaca. "Eu não me lembro de nada. Apaguei", conta Silva.
Já Fidélia se lembra de tudo. "O médico dizia: 'Ele tá muito mal, sofreu parada cardíaca. Prepare-se para o pior. Eu ajoelhei no chão e pedi: 'Doutor, salve meu marido. Não desiste dele, não'." E o médico, do SUS, não desistiu. A cada parada cardíaca, o reanimava com massagens, choque no peito e altas doses de antiarrítmicos. Foi assim por quase 12 horas. Com o coração estabilizado, ele foi transferido para o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, onde recebeu uma ponte de safena e três stents ("mola" para abrir artérias). Na UTI, sofreu embolia pulmonar, insuficiência respiratória e infecção generalizada. Ficou 15 dias em coma.
"Os médicos diziam: 'Ele tá bem ruim. Se sobreviver, deve ficar com sequelas'. Eu só rezava", lembra Fidélia. "Quando o telefone de casa tocava, dava um frio na espinha, a gente travava diante do aparelho. Não conseguia atender", conta a filha Ninótica, 32, enfermeira. Mais uma vez, Silva surpreendeu. Voltou do coma intacto. "Sabia até as senhas do banco", diz a mulher. Do período em que ficou entre a vida e a morte, ele se lembra apenas da sensação de estar em um navio afundando. "Eu pelejava para sair e não conseguia." A história das "70 vidas" de Francisco Silva só foi resgatada recentemente, quando a enfermeira Daniela Morais pesquisava casos de paradas cardiorrespiratórias atendidos pelo Samu-BH entre 2008 e 2010 para a sua tese de doutorado na UFMG. Foram 1.165 pacientes -239 encaminhados a hospitais. "A maioria faleceu nas primeiras 24 horas. A história do Francisco é a mais incrível." O cardiologista Sergio Timerman, médico do Incor (Instituto do Coração) e um dos examinadores da banca de doutorado de Daniela, endossa: "Nunca vi nada igual." Segundo ele, é comum o paciente sofrer, no máximo, quatro paradas cardíacas após um infarto. "Setenta é, sem dúvida, um caso único." (Folha)
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