Sem que se queira, algumas imagens nos perseguem pela vida. Tenho algumas: a coxa de um motoqueiro rasgada em um acidente; uma briga feia, de socos, entre dois senhores gordos.
Outras duas saíram do mesmo lugar: da região de Petrolina, em Pernambuco, curral eleitoral do ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra (PSB).
De uma cabra morta dentro de um barril azul, com olhos esbugalhados e sem o couro, vísceras cercadas de moscas. Carne salgada de um morador sem eletricidade ou água encanada.
Outra, do rosto desesperado de um sujeito, morador de uma casa de taipa, também sem água, cujo filho morreu. Ele nem sabia dizer como. Adoeceu, foi ao posto de saúde e saiu de lá morto.
Pernambuco é a cara do Brasil. Cresce como nenhum outro Estado em meio a um boom industrial e imobiliário. Mas conta com uma das elites mais atrasadas do país. Daquelas que usam o Estado e o dinheiro público como propriedade privada. Sem que ninguém faça nada a respeito.
Fernando Bezerra é um ícone: privilegiou seu curral pernambucano com o grosso das verbas de "seu" ministério; fez do filho o maior beneficiário de emendas de "sua" pasta; loteou a Codevasf (que deveria levar água a Petrolina e região) com irmão e amigos; comprou um mesmo terreno duas vezes em Petrolina com dinheiro público; e fechou contrato com empresa de correligionário pelo maior preço.
Bezerra é funcionário público, assalariado do Estado, e tem uma chefe direta, a presidente Dilma Rousseff.
Há menos de dois anos, em Pernambuco mesmo, Dilma era quase uma desconhecida. Era chamada de Vilma pelos que tinham, de orelhada, ouvido falar "da mulher de Lula". Meses depois, na eleição de 2010, o Estado daria à hoje presidente uma das maiores votações proporcionais no país.
Dilma foi praticamente ungida à Presidência pelo seu padrinho Lula. E não tem nenhuma das características clássicas dos políticos brasileiros que enojam tantos eleitores.
Está muito bem avaliada e poderia, se quisesse, tentar trazer a política brasileira para um outro patamar. Mas ela não parece disposta a isso. Seu tempo está passando.
A conversa da "governabilidade" vai aprisionando Dilma.
Meia dúzia de ministros saíram de seu governo não porque ela quisesse. Ao contrário, foram mantidos até cair de podres, denunciados pela imprensa.
Assim como Barack Obama nos EUA, Dilma talvez tivesse condições de chacoalhar as coisas de uma maneira mais honesta.
Talvez ela não seja uma política bastante habilidosa para isso, como Obama não foi.
Mas Dilma não deixa de ser responsável pelo que fazem seus subordinados diretos.
*Texto por Fernando Canzian, repórter especial da Folha . Foi secretário de Redação, editor de "Brasil" e do "Painel" e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006. É autor do livro "Desastre Global – Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha.com.