Antes de 1 de março de 1994, quando foi lançada a URV, moeda virtual que congelou a inflação em cruzeiro real, a troca de nomes de moedas era fato deplorável e corriqueiro: cruzeiro, cruzado, cruzeiro real. Uma salada.
Éramos um país sem identidade, porque sem economia estável, sem moeda, roubado minuto a minuto pela inflação.
Em 1993, o IPCA foi de 2.477%. Pois veio a URV, que permitiu o lançamento do real, em 1 de julho de 1994: ganhamos credibilidade internacional, a inflação passou a ser controlada ferrenhamente.
Em 1998, a elevação média dos preços cravou apenas 1.66%. Em 2002, houve pressão dos mercados, pela desconfiança em relação a Lula e suas ideias econômicas passadistas.
Mas quando ficou claro que o governo petista não iria promover uma ruptura, entregando o comando do Banco Central ao deputado tucano Henrique Meirelles, as nuvens passaram e o Brasil passou a atrair fortes fluxos de capitais externos.
O primeiro governo Lula manteve o tripé que herdou de Fernando Henrique: metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal. O segundo mandato abriu as comportas da farra fiscal, origem de muitos males hoje vivenciados por nossa economia.
Lula II mostrou-se mais licencioso que Lula I: um pouco mais de inflação, em troca de um pouco mais de “crescimento”.
Tiro no pé.
Brincou com o dragão, chegando ao paroxismo quando trocou o calendário econômico pelo calendário eleitoral, acelerando irresponsavelmente os gastos públicos.
Dilma Rousseff, que participou na linha de frente do governo Lula II e se elegeu a bordo da gastança desenfreada, herdou a volta da carestia. Poderá passar quatro anos lidando com inflação acima da meta.
Dilma parece disposta a conviver com inflação entre 5% e 7%, na ideia de não sacrificar o “crescimento”.
Crescimento sustentável é o que se dá por longo espaço de tempo com inflação baixa. O mais é enganação que poderá custar muito caro ao País.
Do ponto em que está para perder o controle é um pequeno passo, infelizmente. E os setores mais penalizados serão as camadas menos favorecidas da população.
O ministro Mantega se perde em devaneios, falando em juros reais baixos, como se isso fosse, no Brasil, a invenção da pólvora. Antes do Plano Real, quando o descontrole inflacionário era a tônica, vivemos vários momentos de taxas de juros reais negativas. A inflação disparava e os juros, até eles, ficavam para trás.
Mas o ultimo Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central, exibe que o mercado espera inflação de 6.52%, acima do teto da meta (6.5%), portanto. E elevou a previsão de 2012 para 5.59%. O PIB ficaria em 3.5% e 3.3%, respectivamente, para este ano e o próximo.
Meu palpite é que esses números se deteriorarão mais, até dezembro. Não creio em crescimento de 3.5% em 2011.
A grande verdade: a discussão passou a ser pautada por ser o governo capaz de garantir – ou não – a inflação no teto da meta. Ou seja, o fundamental perdeu relevância. O governo faz equilíbrio de circo sem rede de proteção.
O Banco Central virou departamento do Ministério da Fazenda. Fraco para ancorar as expectativas do mercado quanto à inflação. Abandonou a meta de 2011 e começa a fazer o mesmo com 2012.
Enquanto o presidente do Banco Central vira pombo correio do ministro da Fazenda, quem começa a voar alto mesmo é o dragão da inflação.
O Brasil brinca com fogo!* Texto por Arthur Virgílio, diplomata, ex-senador e foi líder do PSDB no Senado