Advogada explica os limites desse procedimento obrigatório
Por Daniel Mello - Repórter da Agência Brasil - São Paulo
Ao embarcar com a família em um voo, a cantora Cris Pereira foi constrangida durante um procedimento de revista em sua filha, que recebe cuidados paliativos para um câncer, estava medicada e adormecida, em uma cadeira de rodas.
O caso foi relatado pelas redes sociais na última terça-feira (16). Segundo Cris, a equipe de segurança do aeroporto questionou se a criança poderia se “levantar”. Diante da impossibilidade, a menina de 8 anos de idade foi, então, submetida a uma revista manual.
“A grosso modo elas revistam a pessoa, apalpam a pessoa. Eles mexem a pessoa para o lado, afastam a pessoa para o encosto da cadeira [de rodas]”, descreveu a mãe, ao relatar o desrespeitado vivido pela família: “eles importunam a pessoa”.
Em outro relato, ocorrido em dezembro, a diretora do Instituto XP, Gabriela Torquato, conta que também foi submetida e essa revista obrigatória para embarcar em um voo.
“Sozinha, em uma sala sem nenhuma das minhas coisas, sem câmeras, precisei tirar a prótese. A cena bizarra da mulher [funcionária do aeroporto] saindo com a prótese na mão sem nem saber como segurar. Outra passando a mão no meu toco e na virilha”, descreveu no texto.
É parte dos procedimentos de segurança dos aeroportos a revista pessoal aleatória. Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a medida é obrigatória em todo o país, em alinhamento com normas internacionais. Nessa situação, a pessoa não só é submetida ao detector de metais, como também pode ter a bagagem e o corpo revistados manualmente por agentes sob supervisão da Polícia Federal.
Apesar da previsão legal, a advogada especialista em Direito de Pessoas com Deficiência Vanessa Ziotti, avalia que vários relatos ultrapassam os limites do trabalho de segurança.
“Passa do limite do bom senso. É a mesma coisa que pedir para que a pessoa que usa um aparelho de implante coclear [auditivo] o retire. Pedir para a pessoa que é cadeirante levante da cadeira. Você retirar da pessoa com deficiência o suporte que ela tem para estar inserida, que é uma prótese, a cadeira de rodas, etc, é você retirar a acessibilidade”, completa.
Para a advogada, é fundamental que as equipes que trabalham com o público sejam preparadas para conduzir os procedimentos adequadamente. “Treinamento dos profissionais e letramento anticapacitista, conhecimento da legislação, para poder respeitar o mínimo, pensando sempre que a gente não pode contar com o bom senso de todo mundo, então, que a gente possa contar com que a pessoa tenha recebido um treinamento adequado”, defende.
A advogada também esclarece que o aeroporto deve estar apto para receber qualquer tipo de corpo. “Pode passar um cadeirante, pode passar uma pessoa com prótese, pode passar um autista, pode passar uma pessoa surdo-cega, independente de qual seja a deficiência”, detalha a especialista, que também é autista.
Registro
Em casos de violação de direitos, a primeira orientação da advogada é tentar produzir registros do que está acontecendo. “Gravar, usar o celular. Você não pode ser impedida de gravar as interações das quais você faz parte”, recomenda.
Em seguida, deve-se, segundo Vanessa, procurar as autoridades. “Procure a delegacia que tem disponível, tem a Polícia Civil dentro dos aeroportos para fazer o boletim de ocorrência e procurar um advogado ou defensoria pública para ingresso das medidas judiciais cabíveis de reparação de danos morais, reparação de danos materiais”, explica a especialista, alertando que a retirada ou manuseio incorreto de uma prótese pode provocar avarias.
Medida obrigatória
“A inspeção de segurança aleatória deve ser independente de origem, raça, gênero, idade, profissão, cargo, orientação sexual, orientação religiosa ou qualquer outra característica do passageiro, podendo ser realizada a qualquer momento do dia e da noite, em qualquer aeroporto ou em qualquer voo”, explica a Anac em nota enviada à Agência Brasil.
As normas da Anac também definem como deve ser prestado o atendimento aos passageiros com necessidade de assistência especial (Pnae). Estão inclusos na categoria as pessoas com deficiência, crianças de colo, pessoas a partir de 60 anos de idade ou com qualquer restrição à mobilidade. É essa regulamentação que garante o direito a um acompanhante, por exemplo, mas não tem especificações sobre as revistas pessoais.
De acordo com a Anac, isso acontece porque o tema está incluído como “segurança da aviação civil contra atos de interferência ilícita”. Essas normas foram estipuladas pelo Decreto 11.195, editado em setembro de 2022.
Nenhum comentário:
Postar um comentário