Não há como dizer de outra forma: o Brasil é muito rico – uma das poucas nações capazes, em tese, de sobreviver sem mudar radicalmente caso não houvesse outra no mundo. Tem alimentos, terras e água em abundância; petróleo, urânio, ventos, luz; território habitável e tecnologia em padrão médio; estrutura industrial básica, uma salada mista de minérios e reservas monetárias que cobrem as contas externas.
No entanto, por alguma alquimia contábil e muita conversa fiada, o povo foi convencido de que o Brasil é pobre. Sua história é um stop-and-go: cresceu com o Barão de Mauá, atolou-se em dívidas e numa guerra cruenta e cara contra o Paraguai ; desenvolveu o perfil de um império constitucional com monarquia benevolente, tombou com o golpe da República e o longo período de pedantismo e estagnação institucional republicana; impulsionado pelos tenentes e por humanistas brilhantes, tentou tornar-se, de fato, independente, mas tropeçou em um conflito de valores que se arrastou entre os golpes de 1964 ao de 2016, com direito a consulados neoliberais e trabalhistas – estes a versão local da social-democracia. Ao que parece, está na pior.
Para dar uma pista de porque isso acontece, transcrevo alguns parágrafos de um texto que escrevi há 35 anos sobre as guerras que marcaram a história dos países da bacia do Prata, ao longo do Século XIX:
“A participação inglesa no processo de independência dos países latino-americanos — quer através de ajuda militar direta (sobretudo naval), quer em medidas de apoio político e econômico — teve dois objetivos entrelaçados: (a) promover a criação de estados nacionais, desmontando os impérios decadentes de Portugal e Espanha; e (b) impedir que esses estados conjugassem uma independência real com os meios de dar-lhe consequência. No atendimento desses objetivos, a Inglaterra estimulou e conteve, segundo seus interesses, conflitos entre as jovens nações. Para sustentar-se em longo prazo, cuidou de ocupar os espaços econômicos, aliando-se aos setores do comércio e aos latifundiários acostumados, em cada uma das antigas colônias, a produzir para exportação em suas plantations; socorreu-os com seus préstimos e dinheiro.
A hegemonia inglesa contribuiu, assim, decididamente, para fixar no poder elites que eternizariam a estrutura da economia colonial em estados formalmente soberanos. Esse equívoco de origem trouxe esta parte da América – ao Prata, em nosso caso – a uma configuração trágica que se perpetuou além do apogeu do imperialismo britânico: é que as elites assim consolidadas, as oligarquias, sabem que sua permanência no poder depende de alianças externas, da limitação de soberania diante de potências hegemônicas. Buscam essas potências, convidam-nas a partilhar do controle da economia do país, deslumbram-se diante de sua eficiência — fato que explica a situação de nossos países, hoje, e nos permite compreender também o que se passa em quase toda a África e em algumas nações asiáticas.
Chama-se a esse fenômeno neocolonialismo, com suas duas faces: a do vassalo servil, no entanto poderoso internamente, e a do império que o utiliza, sem deixar de desprezá-lo.” POR NILSON LAGE, COLABORAÇÃO PARA O TIJOLAÇO
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