Após oito dias, a categoria perdeu: tem chances escassas de conseguir benefícios, pode ser punida, é considerada culpada pela população e ganhou o governo federal como adversário
LEANDRO LOYOLA/http://epoca.globo.com
Um veterano do sindicalismo, conhecedor da vida de paralisações e negociações, costuma dizer que “greve empolga no primeiro dia, é boa no segundo e começa a feder no terceiro”. Em seu oitavo dia, a greve dos policiais militares do Espírito Santo ultrapassou qualquer limite do razoável. Passou do ponto da reivindicação justa para a radicalização desmedida. Greves pressupõem uma paralisação do trabalho num primeiro momento, seguida pelo início de uma negociação entre patrões e empregados para chegar a um acerto diferente do que vigora. Com a recusa dos policiais voltarem ao trabalho, sob a alegação que as organizações das mulheres não participaram das negociações entre governo e associações, ficou claro que o movimento não está disposto ou não sabe negociar.
Mulheres não permitem a saída dos policiais, mesmo após a negociação que acertou o fim da greve no Espírito Santo (Foto: Paulo Jacob)
A estratégia de usar as mulheres como biombo para a greve – e, assim, tentar driblar uma proibição que está na Constituição – foi uma jogada interessante do ponto de vista estratégico. Uma malandragem que gerará risadas e admiração de outros estrategistas de greves em sindicatos por aí. Alguns poderão até se espelhar nesse modelo para fazer outras paralisações, inclusive de policiais, como prova a tentativa no Rio de Janeiro. Mas termina nisso. Em termos objetivos, os policiais jogaram mais para defender-se de eventuais punições por fazerem greve do que para buscar conquistas. A coordenação que sobrou para começar a greve faltou para conduzi-la no momento decisivo, o da negociação. O governo capixaba jogou mais duro do que se esperava, até com punições que os policiais não esperavam.
Do modo como está, a greve passou do ponto no qual os policiais poderiam vencer. A maioria da população capixaba, que os apoiava no início, solidária com seus baixos salários e péssimas condições de trabalho, dá sinais de cansaço após tantos dias vivendo um estado de quase barbárie. É normal: a solidariedade com o outro termina quando a própria sobrevivência é ameaçada. Além disso, em um país onde a polícia não é muito bem vista pela população – graças a desvios de conduta de alguns de seus integrantes -, era muito otimismo acreditar que a greve teria apoio irrestrito. A lembrança que ficará é que os policiais abandonaram as cidades à mercê dos bandidos. Sobrará pouco espaço para reconhecer quanto a polícia é necessária, precisa ser valorizada e respeitada, pois sem ela perdemos um dos freios civilizatórios que criamos para convivermos em grupos.
No plano político, o saldo também é ruim para a polícia. Se no início os policiais disputavam com um adversário, o governo local, acusado de pouco caso com a segurança, agora têm novos. Entraram na disputa o governo federal, a Justiça e o Ministério Público, todos a exigir sua volta ao serviço e a apontar sua intolerável desobediência à Constituição. Pior de tudo, os policiais acumulam todo esse desgaste sem terem conseguido arrancar uma contrapartida efetiva do governo local.
O governo de Paulo Hartung foi radical no trato com o movimento. É certo que a greve desrespeita a Constituição e foi deflagrada para pegar a administração despreparada. Contudo, as coisas só chegam a tal ponto de conflito por falta de negociação, diálogo, tato. A crise econômica submete todos os governos a pressões terríveis, às quais precisam resistir – afinal, a situação atual é decorrente de governos que preferiram não resistir e compraram popularidade com dinheiro público. O caminho para isso, no entanto, é a difícil arte de dizer “não” em longos diálogos, em busca de concordância. Este artigo está em falta no Espírito Santo.
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