Estadão Conteúdo
Um novo estudo realizado por cientistas da Alemanha sugere que a Praga de Justiniano, que devastou o Império Bizantino no século 6, teve um alcance geográfico bem maior do que se pensava.
Estima-se que a Praga de Justiniano tenha matado cerca de 50 milhões de pessoas ao longo de quase dois séculos, contribuindo para acelerar o declínio do Império Romano do Oriente. Sabe-se também que a pandemia foi causada pela bactéria Yersinia pestis, a mesma que mais tarde ficaria conhecida como Peste Negra, depois de dizimar quase metade da Europa no século 14.
No entanto, pouco se sabe sobre o alcance geográfico e o impacto da mortalidade da Praga de Justiniano. No novo estudo, publicado nesta terça-feira, 30, na revista científica Molecular Biology and Evolution, os cientistas fizeram a análise genômica mais completa até hoje da bactéria causadora da peste.
Os pesquisadores da Sociedade Max Planck e da Universidade de Munique, ambas da Alemanha, analisaram a Yersinia pestis presente em esqueletos do século 6, encontrados no sul da Alemanha, revelando novas informações sobre a evolução da bactéria e sobre a magnitude da pandemia. A análise confirmou que a linhagem da bactéria que chegou à Alemanha é de fato a mesma que flagelou o Império Bizantino.
De acordo com os autores, o estudo gerou o primeiro genoma de alta performance do agente bacterino responsável pela Praga de Justiniano, o que permitiu revisar os esboços de sequenciamentos feitos anteriormente e abrir caminho para avançar o conhecimento sobre a evolução da bactéria nos últimos 1500 anos.
“Nossa pesquisa confirma que a Praga de Justiniano se estendeu muito além da região afetada conforme os registros históricos. Isso nos fornece novas pistas sobre a história evolutiva da Yersinia pestis, ilustrando o potencial de reconstruções de genomas antigos para ampliar nosso conhecimento sobre a evolução de patógenos e dos eventos históricos”, disse Michal Feldman, um dos autores do artigo
Os esqueletos analisados foram encontrados em Altenerding, um antigo cemitério no sul da Alemanha, na região de Munique. A bactéria já havia sido encontrada em outros esqueletos em uma localidade próxima, permitindo que outro grupo de cientistas esboçasse o primeiro sequenciamento da Yersina pestis. Mas, segundo os autores da nova pesquisa, esse esboço tinha “cobertura limitada”, ao contrário do sequenciamento de alta performance.
O novo estudo identificou 30 novas mutações e rearranjos na estrutura da bactéria que são exclusivas da linhagem que provocou a Praga de Justiniano. “Nossa nova análise de antigos conjuntos de dados destaca a importância de seguir critérios rigorosos para evitar erros na reconstrução de genomas de antigos patógenos”, declarou Feldman.
“O fato dos esqueletos que nos forneceram esses dados terem sido escavados há mais de 50 anos mostra também como é importante manter coleções antropológicas com boa curadoria”, disse Michaela Harbeck, outra das autoras.
“Nós tivemos muita sorte por encontrar outra vítima da praga com um DNA muito bem preservado em um túmulo a apenas alguns quilômetros de onde o indivíduo analisado em estudos anteriores havia sido achado. Isso nos forneceu uma grande oportunidade para reconstruir o primeiro genoma de alta performance da bactéria”, afirmou Michaela.
Três das mutações encontradas no novo genoma da bactéria ficam localizadas em genes importantes para a virulência da peste: os genes nrdE, fadJ e pcp. Os dados do novo estudo sugerem que a linhagem tinha maior diversidade genética do que se pensava. Os cientistas, no entanto, não sabem ainda como a bactéria chegou à Alemanha. Outro mistério que ainda permanece é como a Praga de Justiniano desapareceu.
A nova descoberta permite que os cientistas agora investiguem esses mistérios e desenvolvam recomendações que podem melhorar a qualidade e a autenticidade dos dados genômicos recuperados de antigos patógenos – ou microorganismos que causam doenças.
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