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domingo, 8 de fevereiro de 2015

Mordidas de todos os lados

GRAZIELE OLIVEIRA E MARCOS CORONATO**http://epoca.globo.com
ENCARECEU
A paulistana Bárbara Cezário com um folheto de imóvel. Juros e inflação em alta invalidaram seu planejamento (Foto: Rogério Casimiro/ÉPOCA)
Este deveria ser o ano em que Bárbara Cezário, supervisora de microcrédito, compraria um apartamento na praia. Ela começou a planejar em 2012. Desde 2013, poupa dinheiro e pesquisa imóveis no Litoral Sul de São Paulo, entre Praia Grande e Mongaguá. O plano dela e do marido era comprar um apartamento que servisse para temporadas na praia e também como fonte de renda, quando alugado. Contas feitas, endereço escolhido, imóvel definido. O casal conseguiria comprar o apartamento desejado com parcelas de R$ 900. Mas isso era em 2014. Já estava difícil fechar a conta por causa dos preços de imóveis, com a inflação e os juros em alta, que empurram para cima todos os outros gastos da família. Neste mês, veio o baque final para desmontar o plano: o aumento de algumas taxas de juro para compra de imóveis pela Caixa Econômica Federal. “Fiquei insegura, pois o que a gente tinha planejado não valia mais”, diz Bárbara. Ela calcula que a prestação, agora, ficará em mais de R$ 1.000 – aumento suficiente para desanimar quem já trabalhava com um orçamento bem justo. “Vamos tentar nos programar de novo, para fazer a compra no ano que vem”, afirma. Entre as metas de 2014, o casal pensa em fazer uma nova rodada de redução de gastos.

A reação de Bárbara é exatamente a esperada pelo governo, que na semana passada elevou novamente a taxa básica de juros – desde maio de 2013, passou de 7,25% ao ano para 12,25%. O ciclo de elevação de juros tem o objetivo de conter o consumo e, assim, baixar os preços e desacelerar a inflação. Para os imóveis, os juros que subiram foram os do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo, que usa recursos da poupança no financiamento dos compradores com renda superior a R$ 5.400. Para esse grupo, as prestações ficarão até 14,4% maiores nos imóveis mais caros e até 4,7% maiores nos imóveis mais baratos. Os outros grandes bancos não acompanharam imediatamente o aumento, mas a tendência é que eles reajustem suas taxas nos próximos meses. E o efeito deve se espalhar para outras faixas de renda. “Certamente, os imóveis de valores mais baixos, cujo comprador é da classe C, também serão afetados em 2015. Será um ano sem reposição salarial, inflação crescente e juros altos”, diz Luiz Augusto Ferreira, presidente da Confia Microfinanças e Empreendedorismo. No ano passado, o crescimento das vendas no varejo foi o mais fraco em dez anos. Em 2015, o ritmo deverá cair ainda mais, segundo a Confederação Nacional do Comércio.

"A expectativa é que juros e inflação continuem a subir em 2015. Isso prejudicará o comércio"

A taxa básica de juros baliza empréstimos, financiamentos e parcelamentos no comércio e nos bancos. O aumento dos juros é um mal necessário neste momento, a fim de conter a inflação. Mas dois componentes do cenário atual exigem especial atenção do consumidor e eleitor.

Primeiro, a inflação alta não é um desastre natural, como um terremoto econômico, um fenômeno imprevisível e que admita apenas administração de danos. Está mais para desastre provocado, como um incêndio econômico. O governo federal descuidou de proteger o poder de compra da moeda nas últimas duas gestões federais. O país tem, há oito anos, a mesma meta pouco ambiciosa de manter a inflação entre 2,5% e 6,5%. Ela continuará nessa faixa até 2016. Dentro desse objetivo já frouxo, o governo relaxou e, desde 2010, permite que a inflação se mantenha perigosamente colada ao limite máximo. Desde novembro, as previsões do mercado financeiro, colhidas pelo Banco Central, são de que a inflação em 2015 vai estourar o limite. O governo brincou com as chamas da inflação, e saímos todos queimados.

O segundo fator a incomodar é a renitência da inflação atual e a necessidade de o país usar juros tão altos para combatê-la – uma aberração econômica global. Até os anos 2000, o Banco Central calculava que o efeito de contenção da inflação causado por um aumento da taxa básica de juros ocorria com defasagem a partir de seis meses. Um ano após o aumento, o efeito dos juros sobre a inflação deveria ser bem perceptível. Essa defasagem parece estar aumentando. Henrique Meirelles, presidente do BC no governo Luiz Inácio Lula da Silva, alertava para esse problema. O segundo governo da presidente Dilma Rousseff precisa combater a inflação já. Mas precisa também avaliar um desafio para o longo prazo: por que os juros brasileiros têm de ser tão altos e demoram tanto a fazer efeito? Há várias suspeitas, como a profusão de taxas de juros dirigidas e regulamentadas, e o fraco nível de concorrência entre os bancos. Problemas desse tipo devem ser enfrentados com reformas graduais, do tipo que uma presidente em início de mandato deveria ser capaz de propor.

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