Por
Humberto Pinho da Silva
Quando recordo os derradeiros
dias do Boby, o coração cobre-se de amargura.
Era um cachorrinho alegre,
companheiro fiel, folgazão, como poucos e dedicado como ninguém.
Um dia refugiou-se na casota.
Os olhos embaciaram-se. Deixou de comer, e mirava-me com ar tristonho, como
querendo dizer-me: - Acode-me! Tu que nas longas e frias noites de Inverno,
prendes o Sol dentro de casa, e com simples clic enches a sala de luz, não me
deixes morrer!
Impotente, assisti à agonia.
Aos últimos paroxismos com a pata branca entalada entre os dedos.
Confesso que chorei. Acabara de
perder um amigo, daqueles que raramente existem entre os homens.
E no
entanto sabia, que seus doze anos não permitiriam longa vida.
Ainda que reconheça que a morte
é o novo nascimento. Que se nasce em dor e em dor se morre, para renascer para
a Vida. Vejo-a como um mistério, mistério não totalmente revelado.
Passamos a vida mergulhados em
sonhos: Quando crescer; quando completar o curso; quando casar; quando tiver
filhos; quando me reformar, hei-de fazer isto e aquilo.
O tempo passa, passam os anos,
e sempre a viver de quimera em quimera.
Desde que tivesse o prato cheio
e o carinho dos donos, o Boby era feliz. Não aspirava riqueza, fama, poder, prestígio,
como os humanos, que se afadigam a obterem centelhas de sucesso.
Atropelam-se uns aos outros,
maltratam-se para serem os primeiros, os melhores, como se fossem eternos, como
se fossem deuses.
Olvidam que tudo é passageiro:
a beleza desaparece, a riqueza passa, a fama não mais é que fogo de artificio:
incendeia, rebrilha, reluz, e morre para sempre.
Velho e sábio filósofo da
antiga China, sempre dizia ao ouvir louvar um intelectual: “ Daqui a cem anos,
nem ele, nem esta desprezível mosca, que cruza o ar, serão lembrados!” Tudo
passa! Tudo esquece!
O Eclesiastes
tinha razão ao asseverar: Tudo é vaidade!
Em breve milhares de crentes
vão enflorar campas, rezar pelos entes falecidos. É gesto de saudade e ternura;
mas poucos, muito poucos, recordam-se deles no quotidiano.
No entanto, muitos objetos,
utensílios, que usam, que afirmam serem deles, já foram dos seus antepassados.
Quem se lembra das privações,
das horas de profunda amargura, que a mãe, o pai, passou para que pudessem
cursar o ensino superior?
Quantos, bem instalados na
sociedade, recordam que o conforto que possuem, devem aos pais, a avós, que se
privaram de muito, para que tivessem sucesso, fama, poder e dinheiro?
Neste dia tão significativo,
dedicado aos nossos ascendentes falecidos, saibamos agradecer em oração:
- Obrigado, mãe, pelo vestido
que não tiveste, para que nada me faltasse. Obrigado, pai, que com o teu
trabalho, pagaste os meus estudos. Obrigado antepassados, que repousam na
eternidade. Sem vós não teria vida Obrigado a todos, porque dentro de mim, vive
um pouco de todos. Porque sou um pouco de cada um.
Nenhum comentário:
Postar um comentário