Com o veículo parado diante de um semáforo, percebi uma pessoa correndo por uma avenida onde eu entraria assim que o mesmo voltasse para o sinal verde, com as duas mãos na cabeça e dirigindo-se ao centro do cruzamento da rua em que eu estava com a avenida, onde haviam diversos objetos esparramados pelo chão.
O homem começou então a recolher e colocar na calçada tudo o que podia em meio ao movimento de carros que por lá passavam, uns desviando, outros passando por cima de objetos ou buzinando, vi que eram caixas com os mais variados pertences.
Identifiquei um espelho de mão quebrado, algumas canetas, papéis voando em meio a cada um dos veículos que por lá passavam, uma escova e um secador de cabelos, um boné, camisetas, blusas, enfim, uma variedade de coisas que me deixavam intrigado sobre o que teria ocorrido.
Algumas caixas pretas de plástico estavam quebradas e seus pedaços esparramados pelo chão quando veio outro homem, provavelmente companheiro do primeiro, pois também desceu a avenida correndo do mesmo local de onde viera o outro e com este foi conversando e já ajudando a recolher mais coisas.
O semáforo abriu e enquanto cruzava lentamente a avenida, já mais próximo do local, pude perceber melhor o que ocorrera. Um pequeno caminhão levava uma mudança e quando fez a curva saindo da rua onde eu estava para entrar na avenida, de sua carroceria caíram dois gaveteiros de plástico que se quebraram ao bater no chão.
Imediatamente lembrei-me de um conto que havia lido há muito tempo onde um morador de um edifício fazia sua mudança de um apartamento para outro no mesmo prédio e pouco a pouco levava pessoalmente seus pertences. As roupas eram transportadas nos próprios cabides, caixas levavam panelas pratos e talheres, pequenos objetos e tudo o que pudesse levar com os próprios braços ou no carrinho de compras do prédio.
Em uma dessas vezes entrou no elevado já cheio de pessoas carregando uma gaveta de seu criado mudo com tudo o que tinha dentro dela, mas que sequer tinha olhado o que era.
Segurando-a com as duas mãos, notou que as pessoas olhavam para a gaveta com tanta curiosidade que também dirigiu para ela o seu olhar. Viam ali expostas muitas de suas coisas de uso pessoal, como um cortador e uma lixa de unha, um chaveiro antigo, um estojo de fio dental, uma tesoura de unhas, uma caneta, bilhetes que nem lembrava mais quem os havia enviado, vários envelopes de preservativos e outros objetos inconfessáveis. Uma situação constrangedora, que não havia mais como ser reparada ou escondida.
Os dois casos me fizeram pensar em como acabamos guardando histórias em gavetas. Quantos papéis, documentos, bilhetes, lembretes, fotos ou diversos outros objetos guardamos em nossas gavetas e nunca mais vemos? Quantas vezes ao abrir uma gaveta nos surpreendemos, com objetos que nos fazem lembrar coisas passadas que já haviam sido apagadas de nossa mente ou nos mostram algo que sequer lembrávamos possuir? Quantos segredos podem ser revelados em uma gaveta de criado mudo?
As gavetas são como um arquivo morto de nossas vidas. De tempos em tempos é necessário reabri-las e delas retirar o que não serve mais, que não necessitamos ou que já não será usado.
Nelas encontramos coisas que gostaríamos ou não de lembrar e objetos que mesmo não nos sendo úteis, servirão para outras pessoas que deles necessitam. Uma ótima oportunidade de realizarmos atos de caridade, tão necessários na vida de todos.
Abra suas gavetas e reveja sua história, jogando fora as coisas sem valor, doando o que outros necessitam e lá deixando só o que realmente merece ser lembrado e guardado.
João Bosco Leal www.joaoboscoleal.com.br - Jornalista, escritor e produtor rural - Texto recebido do autor
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