Sindicato que “representa” 10 milhões de servidores públicos federais, estaduais e municipais quer cobrar imposto retroativo a cinco anos.
O deputado Marco Maia, do PT do Rio Grande do Sul, tem pelo menos uma convicção conhecida. Ele se diz radicalmente contra o imposto sindical – o dispositivo legal que arranca do bolso dos brasileiros o valor correspondente a um dia de trabalho por ano. Alega, com a autoridade de ex-sindicalista, que o tributo financia entidades sem representatividade, garantindo-lhes dinheiro à custa do suor alheio sem nenhuma contrapartida. Já o Marco Maia que preside a Câmara dos Deputados atua para levar a Casa a pagar, numa só tacada, 26 milhões de reais em imposto sindical. Se desembolsada, a verba recheará os cofres da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) e beneficiará centrais ligadas a partidos governistas, como PT e PDT. Ou seja: alimentará a simbiose entre políticos e sindicalistas, em que uns tomam decisões favoráveis aos outros à espera de ajuda nas campanhas eleitorais. Mas o que é mesmo CSPB?
Autora da cobrança encaminhada à Câmara, a CSPB existe há cinquenta anos. Seu mérito conhecido não é a defesa intransigente dos interesses do funcionalismo, mas ter caído nas graças dos dirigentes do PDT que controlam, desde o segundo mandato do ex-presidente Lula, o Ministério do Trabalho. Em 2008, a confederação deu um salto – de envergadura política e poder financeiro – quando seu presidente, João Domingos Gomes dos Santos, conheceu o então ministro Carlos Lupi num jantar em Brasília. Foi o clássico encontro da fome com a vontade de comer. João Domingos ofereceu seus tentáculos sindicais em Goiás para fazer o PDT crescer no estado. Já Lupi, que é presidente da legenda, deu ao novo amigo a senha para acessar fatias do bolo do imposto sindical. Fez isso por meio de decisões oficiais. Em resumo, elas reconheceram a CSPB como representante dos servidores públicos do país, dos três poderes e nos níveis federal, estadual e municipal, assegurando à entidade o direito de cobrar imposto sindical em todo o território nacional. A canetada de Lupi entregou a João Domingos, transformado depois em ativo membro do diretório nacional do PDT, uma carteira de 10 milhões de “clientes”.
Em 2007, a CSPB arrecadou apenas 39 000 reais em imposto sindical. Nos quatro anos seguintes, quando Lupi e João Domingos já militavam juntos, os valores cresceram de forma expressiva, totalizando 31,6 milhões de reais. Essa dinheirama entrou nos cofres da confederação pela via administrativa – e sem controvérsia. Mas saciou apenas parte do apetite. A CSPB passou a exigir, nas esferas administrativa e judicial, o recebimento de imposto sindical que órgãos públicos não recolheram nos últimos cinco anos, os “atrasados”. Bateu à porta de governos, do Senado e da Câmara. Ao apresentar as faturas, a entidade menciona normas baixadas pelo Ministério do Trabalho e decisões judiciais que obrigam os servidores públicos a também pagar o imposto, mesmo que não sejam filiados a sindicatos. Essa iniciativa deve render mais alguns bilhões de reais à estrutura sindical brasileira. Diante de tamanha expectativa financeira, um exército de parlamentares entrou em campo para fazer lobby a favor das ações administrativas da CSPB. À frente deles, o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, presidente da Força Sindical.
“Batalhamos muito para que o ministro fizesse as portarias regulamentando a questão. Tenho trabalhado para que a Câmara pague a dívida com a CSPB. Já estive também no Senado e no Tribunal de Contas da União”, diz Paulinho. Em sintonia com o pedetista, Marco Maia afirma que a conta com a CSPB só não foi quitada porque depende de um aval prévio da Advocacia-Geral da União (AGU). Essa autorização ainda não saiu, mas o petista já fez uma forcinha para que isso ocorresse. Em julho do ano passado, a Direção-Geral da Câmara solicitou à AGU orientação sobre como realizar o pagamento. Marco Maia também já conversou com o ministro Luís Inácio Adams, da AGU, e pediu uma solução para o caso. O parecer pode derrubar ou validar o bilhete premiado da Mega-Sena dado à CSPB. Se o pleito da confederação for acolhido, não apenas a Câmara, mas todos os órgãos federais dos três poderes terão de recolher imposto sindical e repassá-lo à entidade. A folha salarial dos servidores da União é de 204 bilhões de reais em 2012, o que asseguraria cerca de 700 milhões de reais de imposto só neste ano. O valor seria dividido por toda a estrutura sindical, o que inclui a petista CUT e a pedetista Força Sindical. “Esse é um assunto de interesse dos políticos e do movimento sindical. Pessoalmente, sou contra o pagamento”, diz o deputado Eduardo Gomes (PSDB), primeiro-secretário da Câmara.
São vários os exemplos recentes de como o imposto sindical serviu, entre outras coisas, para melhorar a vida dos dirigentes de entidades. O presidente da CSPB não tem do que reclamar. Goiano de São Luís de Montes Belos, 57 anos de idade, João Domingos é de origem humilde. Em 1994, declarou à Justiça não ter nenhum bem para penhorar e, assim, garantir o pagamento de dívidas de uma empresa falida da qual era um dos sócios. Em fevereiro de 2000, o único bem encontrado em nome dele foi uma conta bancária, com saldo de 1 956,34 reais. Parece um franciscano, mas só parece. Apesar de ganhar a vida com o salário de assistente de atividade administrativa da prefeitura de Goiânia, que não passa de 1 500 reais mensais, João Domingos construiu um patrimônio respeitável ao trilhar a doce vida de dirigente sindical. Hoje, é dono de apartamento, fazendas e rebanho bovino. Suas propriedades rurais ficam em valorizadas áreas próximas a Brasília, e valem, segundo corretores consultados, no mínimo 4 milhões de reais. Nada mau para quem recebia da prefeitura de Goiânia, até 2004, um salário líquido de 317 reais e 11 centavos.
João Domingos alega que tem outras fontes de remuneração. “Supervalorizando, o meu patrimônio não passa de 1 milhão”, garante. Na CSPB, que ele preside desde 1994, ganha uma “ajuda” mensal que está em 8 000 reais. A partir de 2005, quando foi criada a Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST), de cujo quadro de diretores ele faz parte, passou a receber outros 6 000 mensais. Ou seja: hoje, seriam cerca de 15 000 por mês. Além de dono de imóveis, João Domingos ainda desponta como um bem-sucedido criador e um destacado comprador de gado. No ano passado, em um leilão, o sindicalista arrematou uma única vaca por 122 000 reais. “Tiro 3 000 litros de leite por dia. Vaca não sai de férias e trabalha sábado e domingo”, jactou-se o sindicalista numa conversa recente com amigos. Nada como não ser obrigado a lidar com demandas de trabalhadores, ainda mais quando a fortuna depende, única e exclusivamente, do suor do trabalho dos outros e de uma mãozinha de políticos influentes.*Daniel Pereira e Hugo Marques(VEJA - 18/02/2012)
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