Yiannis Tisaples, 31 anos, percebeu no domingo à noite que seu chefe acompanhava em tempo real, em frente ao computador, as informações sobre a votação de mais um plano de austeridade, o quinto aprovado pelo Parlamento da Grécia em dois anos. Entre as medidas previstas, estava o corte do salário mínimo. Na manhã seguinte, ao retornar ao trabalho depois de uma noite de sono difícil, Tisaples, um diretor de cinema transformado pela crise em entregador de fast food, foi chamado por seu patrão e recebeu a notícia: ou aceitaria o rebaixamento de 22% de seu salário, chegando ao novo piso de € 586 bruto, ou seria demitido.
Tisaples engoliu o orgulho e aceitou a imposição, com medo de se tornar mais um dentre um milhão de desempregados do país, metade deles demitidos no último ano. Temia perder ainda mais e passar a depender de um seguro-desemprego cada vez mais precário, cujo valor também caiu de € 450 para € 360. “Eu já estava pronto a aceitar 10% de redução em troca da manutenção do emprego. Quando soube que seriam os 22%, me senti humilhado e triste”, diz o diretor. “O que está acontecendo com o povo grego não é justo, não é correto.”
Como Tisaples, milhões de gregos vêm sendo sucessivamente rebaixados de classe social desde 2009, quando explodiu a crise das dívidas soberanas no país. Desde então, 3,2 milhões de pessoas – 30% dos gregos – desabaram na pirâmide social, caindo abaixo da linha da pobreza. Nas ruas de Atenas, o avanço da miséria em dois anos é chocante e se resume em um dado: 30 mil gregos estão vivendo de mendicância nas ruas – duas vezes mais que em 2009.
Nesse meio tempo, o desemprego saltou de 6,6% – nível da Alemanha – para 20%, situação agravada pela desaparição súbita do Estado de bem-estar social. Nos últimos seis meses, mais de 60 mil pequenas empresas fecharam as portas na Grécia. No centro de Atenas, mesmo lojas da prestigiosa Rua Ermou – outrora o sexto metro quadrado mais caro do mundo – estão às moscas ou fechadas. Grandes hotéis da Praça Omonia fecharam as portas, em recesso. Depredações se multiplicam e pichações com slogans anarquistas se espalham pelas paredes.
O drama é mais grave entre jovens: 48% estão na rua, sem emprego. Uma geração perdida começa a se formar, apesar da alta qualificação acadêmica. Aris Karamis, 26 anos, é um exemplo. Filho de um médico e de uma funcionária pública – cujo salário caiu 25% –, é programador com curso superior pela Universidade de Atenas e mestrado na Brunel University, de Londres. Apesar do currículo de exceção, vive o desemprego desde que deu baixa das Forças Armadas. Sem alternativa de renda, distribui jornais gratuitos em estações de metrô da capital em troca de € 5 por hora – quando é chamado. Nessas horas, sente-se pressionado. “Tenho pensado muito em deixar o país”, disse na terça-feira, observando as cinzas do cinema Attikon, na Rua Stadiou, transformada em epicentro do quebra-quebra de domingo passado.
Outro a fitar a destruição era Nicolas Laskaris, 27 anos, também programador. Sem emprego, nem mesmo free lancers precários, não tem dinheiro “para nada”. Reconheceu constrangido que não paga mais metrô por falta de troco para o transporte. Angustiado com seu futuro, esteve na Praça Syntagma no domingo para protestar. Não participou dos ataques à polícia e ao patrimônio, mas entende quem o fez. “É uma demonstração de ira. Atenas está sendo destruída porque a crise econômica se tornou social”, entende. “Não há futuro, não há esperança.”
O desespero é outro dos elementos da bancarrota grega. Asfixiada pela austeridade, a Grécia vive duas depressões.
A primeira é visível nas estatísticas: é a econômica. Segundo o Capital Markets Monitor, levantamento feito pelo Instituto Internacional de Finanças (IIF) em fevereiro – mas que já precisou de atualização para dar conta do tombo maior que previsto no ano passado –, até o fim de 2012, a Grécia chegará a 20% de queda do Produto Interno Bruto (PIB) em cinco anos, situação pior do que a falência na Argentina ou do que a da revolução no Egito. “Não se trata de recessão, mas de uma depressão”, diz o doutor em Economia Christos Staikouras, 38 anos, deputado do Nova Democracia e já cotado como provável novo ministro da Economia. Essa constatação é mais um dos pontos que une direita e esquerda hoje.
Dmitri Chatzisócrates, conselheiro econômico do Esquerda Democrática, partido de oposição e que mais cresce no país, a União Europeia esconde uma realidade grega. “Não estamos nem em moratória de pagamentos; já estamos falidos. Bruxelas não usa essa palavra, mas é quem paga nossas dívidas”, diz ele.
Ninguém em sã consciência em Atenas absolve os gregos e sua classe política por essa situação. Durante tempo demais, o país acumulou dívidas e déficits de toda ordem – inclusive para pagar os Jogos Olímpicos de 2004, um sonho nacional. Liberais e keynesianos admitem que o mercado é regulado demais e com altos privilégios para quem exerce carreiras de engenheiro, advogado, farmacêutico. Nas empresas públicas, os salários e aposentadorias estão na média dos pagos em potências europeias, como a França.
O problema é que esses benefícios não foram mexidos até agora, o que enfurece os técnicos da União Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional, governos europeus como o da Alemanha, e os próprios gregos. Em Atenas, há uma clara insatisfação com a injustiça dos cortes realizados até aqui.
Depois de cinco planos de austeridade, que totalizam € 160 bilhões em contenção no orçamento, o Estado parou. Impostos subiram, causando inflação no preço da alimentação, dos combustíveis, dos aluguéis e dos serviços. Taxas excepcionais cobradas no Imposto de Renda de 2010 e 2011 também contribuíram para abalar o poder aquisitivo. Mesmo os serviços essenciais sofrem as consequências. Livros didáticos não foram distribuídos às escolas, faltam medicamentos em hospitais públicos e o aquecimento residencial é cada vez menos usado em razão do preço do combustível.
Nesse cenário de extrema adversidade, o corte do salário foi percebido como a gota d’água. No dia a dia, um clima de tensão permanente opõe tropas de choque e manifestantes. Mesmo pequenas manifestações, como a de estudantes e professores reunidos na Praça Syntagma, na sexta-feira, provocam o fechamento do comércio e acabam em prisões, apedrejamento e uso de bombas de gás. “Somos contra a redução do salário mínimo, porque estamos reduzindo com ele o turnover do mercado, o consumo, o nível de emprego e resultará em mais miséria e depressão. É uma espiral negativa”, adverte o empresário Dinos Lambrinopoulos, presidente da Associação Helênica de Administração. “O remédio dado foi errado e causou a depressão, que agrava a dívida e não resolve o déficit.”
Essas decisões geram uma segunda depressão da Grécia: a social. De sem-teto a grandes acadêmicos com os quais o JT conversou, como o banqueiro, filósofo e historiador Panayotis Genimatas, é visível a profunda descrença no futuro. Essa realidade se reflete no número de suicídios, que cresceu 40% no país desde o início da crise. Em três anos, centrais de emergência multiplicaram por dez o número de chamados de pessoas à beira de atos extremos, como o da engenheira Lambrousi Harikleia, cujas imagens rodaram o mundo nesta semana. O perfil dos suicidas é claro: homens entre 35 e 60 anos falidos.
Stella Adeli, socióloga da prefeitura de Atenas que trabalha com os sem-teto, explica: “A psique da população está abalada porque há um medo permanente de ser atingido pela depressão econômica”, testemunha, ela própria em situação precária, em contrato temporário e com salário 20% a 25% menor. O medo, diz ela, se justifica. “Há um fenômeno de rebaixamento nas classes sociais. Pessoas que estavam no limite da pobreza, mas ainda podiam se manter, agora vivem a depressão nas ruas da Grécia.”
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