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sábado, 11 de fevereiro de 2012

Juristas divergem sobre constitucionalidade da PEC que estabelece piso nacional para policiais

Assim como já haviam feito os policias militares da Bahia, na noite da última quinta-feira (9/2), PMs, bombeiros e agentes penitenciários do Rio de Janeiro também decidiram cruzar os braços e permanecer aquartelados para reivindicar salários melhores. Para acalmar os ânimos e evitar que a mobilização ganhe traços nacionais — já que corporações de outros estados também ameaçam aderir à causa —, muito se especula que a única medida eficaz seja a aprovação da PEC 300/2008 (Proposta de Emenda à Constituição) na Câmara dos Deputados.
A proposta, de autoria do deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), estabelece que a remuneração dos policiais civis e militares e bombeiros não poderá ser inferior ao valor pago aos oficiais do Distrito Federal, o mais alto do país. Atualmente, a proposta está atrelada à PEC 446/2009, já aprovada no Senado, que determina a criação de um fundo nacional para auxiliar os estados a pagar os salários dos oficiais.
A PEC 300 já teve o parecer favorável das comissões a que foi designada e já foi aprovada no plenário da Câmara em primeiro turno (em julho de 2010), por maioria qualificada (mínimo de três quintos dos deputados). Resta agora aprovação no segundo turno para que a proposta volte ao Senado para finalmente ser aprovada e promulgada.
Em entrevista ao Última Instância, o deputado Faria de Sá afirmou que foi feito um acordo político entre as lideranças partidárias para que o segundo turno da votação da PEC 300 ocorresse somente após as eleições gerais de 2010. Entretanto, ressalvou que “os governadores da Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul começaram a fazer pressão para tentar barrar o andamento da PEC”.
O deputado esclareceu que o Senado Federal também fez parte do acordo político, o que assegura uma vitória da PEC na Casa. “É por isso que os governadores estão fazendo pressão para não aprovar”, explica o parlamentar ao questionar o interesse dos políticos citados em barrar o avanço da proposta na Câmara.
Lei de Responsabilidade Fiscal
O presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), quando indagado sobre a possibilidade de votação da PEC 300, afirmou que a proposta representaria um “impacto brutal” nas contas dos estados. “As demandas por reajuste salarial são enormes, mas as condições dos estados em atender a essas reivindicações são pequenas”, declarou.
O principal mecanismo que impede a unificação dos salários é a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101). Sancionado em maio de 2000, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, o dispositivo obriga os estados e municípios da federação a apresentar previamente o orçamento anual, e comprovar que as receitas são suficientes para cobrir todos os gastos programados.
“A Lei expressa uma tentativa de controle das contas públicas”, explica o cientista político Rafael Cortez, analista da Tendências Consultoria. Sem esse mecanismo, os governos estaduais gastavam mais do que o arrecadado e, endividados, pediam socorro à União, transferindo os custos para os contribuintes de outros estados.
Caso a PEC seja aprovada, muitos estados não terão como aumentar as remunerações sem extrapolar o limite orçamentário. Desta maneira, estariam ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O jurista Pedro Estevam Serrano, doutor em Direito pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e professor de Direito Constitucional na mesma instituição, acredita que a situação geraria uma “contradição jurídica”. De acordo com ele, teria que se abrir exceções à aplicação da lei. “Só pode haver a responsabilização de alguém por uma decisão desse alguém, e não por uma decisão de terceiro”, explica.
Pacto federativo
Mesmo concordando que a questão é controversa entre os próprios juristas, Pedro Serrano entende que a PEC 300 é inconstitucional. O professor diz que, ao obrigar cada estado da federação a estabelecer determinado patamar de remuneração, o dispositivo ofende o princípio federativo. “A proposta fere a autonomia política, administrativa e legislativa dos estados”, afirma.
Serrano cita o parágrafo IV do artigo 60 da CF (Constituição Federal): “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado”. Por se tratar de uma cláusula pétrea da Constituição, o princípio – que estabelece como entes federativos os estados e municípios, além da União – não pode ser ofendido.
Na contramão, o advogado Dircêo Ramos, presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de São Paulo), não enxerga que a PEC atente contra o pacto federativo. Para Ramos, que também é professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a proposta só institui um piso salarial para o que a função de policial tem de comum em cada localidade, “permitindo que cada estado, dentro da sua autonomia, possa oferecer mais, de acordo com as condições próprias do seu local de trabalho”.
O autor da PEC 300, Arnaldo Faria de Sá, também compartilha dessa opinião. Para ele, a questão da constitucionalidade da proposta é um assunto encerrado. “O STF [Supremo Tribunal Federal] já dirimiu em matéria análoga”, afirmou o deputado, lembrando a decisão da Corte que determinou a constitucionalidade da lei que instituiu piso salarial nacional dos professores de escola pública.
Carta Constitucional específica
A discussão da PEC 300 também traz ao debate uma outra questão importante: o alto grau de especificidade da Constituição brasileira. O cientista político Rafael Cortez explica que, a exemplo de textos constitucionais de outros países, com exceção dos Estados Unidos, a CF não trata apenas dos princípios essencialmente fundamentais da vida política e do direito.
“A nossa Carta Constitucional contém muito mais do que a estrutura do sistema e da comunidade política, ela é também uma forma de assegurar direitos”, elucida Cortez.
O analista argumenta também que o fenômeno é mundial e foi acentuado, sobretudo, após a 2ª Guerra Mundial. “À medida que se consolidaram os direitos civis, políticos e sociais, e que ganharam força a questão dos direitos humanos e uma série de garantias básicas, os textos constitucionais foram ficando maiores”, afirma.
No Brasil, contudo, há um ingrediente há mais. Após duas décadas de ditadura militar, um regime político fechado, a Constituição de 1988 foi um marco para o novo período democrático. “Havia uma incerteza quanto ao resultado da transição”, explica Cortez. Desta maneira, muitos grupos políticos temiam que suas demandas não fossem atendidas no futuro. “A CF brasileira serviu como uma salvaguarda. É um texto muito generoso em termos de bem-estar social”, afirma.
Entretanto, há o outro lado da moeda: a alta especificidade também traz custos para a governabilidade, afirma Cortez. “O poder de decisão da maioria fica amarrado, enrijecendo o Estado”, lembra ele. O processo de alteração de um dispositivo constitucional – pelo qual passa a PEC 300 atualmente – é muito mais complexo do que a tramitação até a aprovação de uma lei federal no Congresso Nacional.

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