Natalia Emerich _Brasília247 – Uma decisão inédita da Justiça abrirá espaço para discutir a concessão da licença-maternidade no País. Um técnico da Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, viúvo e pai de um bebê de 56 dias, ganhou o direito de se ausentar do trabalho por seis meses, sem prejuízos salariais, para cuidar do filho. A liminar foi concedida pela juíza Ivani Silva da Luz, da 6ª Vara Federal de Brasília.
A mulher do servidor José Joaquim do Santos morreu no dia 10 de janeiro, 34 dias depois de ter dado à luz ao caçula do casal, devido a complicações do parto. Com um filho recém-nascido e uma criança de 10 anos, o servidor requereu junto à Coordenadoria de Recursos Humanos da Polícia Federal uma licença adotante de 90 dias, mas teve a concessão administrativa negada por ser homem.
Santos, então, tirou férias de 30 dias e entrou com um mandato de segurança contra a decisão da coordenadoria para cuidar dos filhos por mais tempo. O apelo do viúvo foi acatado pela juíza Ivani Silva da Luz na quarta-feira (8), que concedeu liminar no mesmo dia em que a licença remunerada venceu.
A decisão provisória dá ao funcionário o direito de desfrutar da licença paternidade nos moldes da licença-maternidade, de 120 dias, como prevista no artigo 207 da Lei 8.112/90, e estende o prazo em 60 dias, amparada no artigo 2º, parágrafo 1º, do Decreto 6.690/08, que estabelece o Programa de Prorrogação à Licença Gestante e à Adotante para servidoras federais.
A juíza baseou a decisão no artigo 227 da Constituição Federal, no qual estabelece que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".
Embora não haja uma lei específica para tratar de casos referentes à licença-maternidade, Ivani Silva da Luz conclui que “a proteção à infância é um direito social inserido no rol dos direitos fundamentais”. Segundo ela, o papel da família é fundamental.
“Tal desenvolvimento é assegurado mediante a convivência da criança no meio social e familiar, principalmente pelo carinho e atenção dos pais na fase da mais tenra idade, época em que a sobrevivência daquela depende totalmente destes”, diz um trecho da decisão, amparada pelo artigo 226 da Constituição, no qual explicita que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
A decisão proferida pela juíza da 6ª Vara Federal ainda pode ser contestada. O advogado do servidor Joaquim Pedro Rodrigues ressalta que o mérito da questão ainda não foi analisada pela magistrada. Segundo Rodrigues, o coordenador de Recursos Humanos da Polícia Federal ainda será ouvido e a Advocacia Geral da União, bem como o Ministério Público Federal, devem se pronunciar.
“Por enquanto, a licença-maternidade não tem respaldo legal para ações como a de José Joaquim do Santos”, esclarece Rodrigues. “Esse tipo de situação carece de uma lei específica de regularização, casos assim chamam a atenção da sociedade e das autoridades para a necessidade de rever a questão da licença, prevista só na Constituição.”
O advogado Miguel Rodrigues Nunes Neto, também representante do técnico da PF, diz conhecer alguns casos análogos, mas afirma que não há precedentes como o de José Joaquim do Santos. "Nossa pesquisa só chegou a um caso de um mandado de injunção, que ainda não foi julgado no Supremo Tribunal Federal, e a uma decisão favorável a um casal homossexual que obteve a licença de adoção – 30 dias, desconhecemos”, conta o advogado. “Desconhecemos precedentes de se autorizar o auxílio-maternidade a um pai viúvo."
A falta de uma regulamentação específica, porém, não diminui a expectativa dos advogados. “Creio que a União vá manter a decisão e que ao final o juiz dê sentença condizente com os fatos”, afirma Rodrigues. “O bebê não tem mãe, o pai precisa de respaldo para cuidar dos filhos, pois exerce função dupla.” “Pela nossa experiência, em primeira instância, é improvável que a Justiça mude o entendimento”, finaliza Miguel Rodrigues.
A Polícia Federal foi procurada, mas não retornou o contato até o fechamento da matéria.
Leia a decisão na íntegra.
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