Glauco Humai
O Brasil está cada vez mais esquizofrênico. Caso nada seja feito para retomar a sanidade coletiva no país, nos veremos em breve numa situação deveras absurda e irreversível, para prejuízo de todos.
O distúrbio de personalidade nacional tornou-se realmente agudo no governo passado, que usou e abusou do que ficou conhecido como “contabilidade criativa”. Sem dinheiro para pagar as contas, a solução foi criar uma ficção de números e planilhas que sugeriam exatamente o contrário: que tudo ia bem e que não faltaria dinheiro para nada. Hoje pagamos a conta dessa brincadeira.
A esquizofrenia brasileira é realmente democrática, pois atinge todos os Poderes da República, todas as camadas sociais, políticas e econômicas. O Executivo e o Legislativo são o exemplo político.
A população deixa clara a sua reprovação aos políticos em geral – a maioria os considera, no mínimo, indignos de ocupar os cargos em que estão. Eles, por sua vez, perseguem agendas muito mais voltadas a servir a seus próprios interesses.
Fosse uma pessoa, o Brasil seria o equivalente a Dr. Jekyll e Mr. Hyde, as duas personalidades do protagonista do livro “O Médico e o Monstro”, de Robert Louis Stevenson.
Um exemplo recente disso acometeu o próprio Judiciário. O imbróglio, inclusive, não tem nenhuma ligação com operações policiais ou casos de corrupção. Trata-se de um caso mais mundano e menos midiático, ainda que altamente perturbador.
Alguns magistrados literalmente misturaram leis para tomar decisões sem fundamento jurídico -no caso, obrigar shopping centers a oferecer ou pagar creches para os filhos das funcionárias das lojas que ocupam os empreendimentos.
Ou seja, a Justiça tem dito, ao misturar direito trabalhista e comercial, que uma empresa deve custear benefícios a profissionais com os quais não tem qualquer vínculo. Isso só porque mantém uma relação comercial com o real empregador.
A própria vida privada se torna cada vez mais esquizofrênica, como nas pequenas corrupções e contravenções, toleradas por muitos cidadãos que, de uma forma ou de outra, condenam governos, governantes, servidores e empresas corruptos.
Sustentam essa atitude contraditória por acreditarem que, pela “intensidade”, suas ações são desculpáveis. Ora, ou as regras valem ou não valem. O “seletismo” demonstrado pela população é mais uma prova de nossa esquizofrenia tropical.