Após escândalo, José Mayer foi denunciado e punido. Mas essa não é a realidade no mundo corporativo, dizem especialistas
DANIELA SIMÕES E GIOVANNA WOLF TADINI (COM EDIÇÃO DE BRUNO CALIXTO)
A publicitária Gabriela (nome fictício) estava contente em seu novo trabalho, em uma agência do ramo em São Paulo, quando começou a receber cantadas, insinuações e elogios constrangedores por parte de seu chefe. Ela suportou por um tempo até que, em um súbito de coragem, resolveu buscar ajuda no departamento de Recursos Humanos (RH) da empresa para denunciar o chefe. Não foi uma decisão fácil, já que poderia colocar seu emprego em risco, mas a situação estava insuportável. A resposta que recebeu, no entanto, ficou longe da esperada. Não bastassem os momentos de constrangimento que se tornaram uma rotina diária, ela se viu ainda mais desrespeitada com a resposta que ouviu do funcionário do RH. “Ele (o chefe) é assim mesmo. Você é muito bonita. É só evitar vir muito arrumada ao trabalho.” Desamparada, Gabriela viu como única alternativa pedir demissão da empresa. Chegou, inclusive, a procurar advogadas especialistas no assunto, mas decidiu que isso não seria bom para uma futura entrevista de emprego. Era um estigma que carregaria consigo para o resto de sua vida.
O caso da publicitária, relatado pela advogada Marina Ruzzi, especialista na defesa de vítimas de assédio sexual no trabalho, mostra como situações de assédio sexual – como o escândalo envolvendo o ator José Mayer – são extremamente comuns no mundo corporativo. Só que, diferentemente do caso em que o ator foi punido e enfrentou a opinião pública, o desfecho é outro na grande maioria dos casos: as vítimas acabam obrigadas a pedir demissão. Isso mostra como as empresas em geral ainda não estão preparadas para lidar com situações como essa.
Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres Brasil, relata que falta a criação de mecanismos específicos para proteger as mulheres ou permitir que elas façam denúncias sem medo de enfrentar retaliações. “Quando elas abordam o assunto, os casos ficam restritos à área de recursos humanos, que não está dotada dos recursos necessários para lidar com essas situações”, diz. A situação é mais complicada em pequenas empresas, que em alguns casos nem sequer têm um departamento de RH para cuidar dos casos. Mas mesmo quando uma empresa tem os meios necessários de comunicação do assédio – geralmente grandes corporações e multinacionais –, o resultado costuma ser insatisfatório. O esforço para enfrentar os casos é ineficiente e de pouco rigor.
Reportar a denúncia dentro da empresa costuma ser uma situação delicada. Além de a vítima ter de reviver o assédio, é muito comum ela não receber o devido respaldo do setor. A defensora pública e coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção dos Direitos da Mulher (Nudem) de São Paulo, Ana Rita Souza Prata, explica que é comum reclamações sobre como a situação é conduzida pela empresa. “A primeira conduta normalmente é questionar a mulher para saber se ela tem certeza, se não foi uma brincadeira, se ela não está exagerando”, diz. Quando não há outra evidência sobre o crime, fica então a palavra da vítima contra a do assediador. “Muitas denúncias acabam sendo julgadas como improcedentes.” O assediador acaba não sofrendo nenhum tipo de punição dentro da empresa, deixando como única opção para a vítima entrar com processos na Delegacia Regional do Trabalho ou no Ministério do Trabalho.
Isso quando o caso realmente vira um processo. Em muitas situações, como a história de Gabriela relatada no começo deste texto, as denúncias nem chegam a ser reportadas. A advogada Marina Ruzzi explica que as condições de trabalho e convivência vão se tornando tão insuportáveis que a saída mais humana é procurar outro emprego. “Isso é horrível porque, na verdade, a mulher não fez nada de errado. É ela quem está sofrendo uma penalidade por causa do assédio que ela mesma sofreu.” A decisão de levar a denúncia adiante é da mulher. Isso implica em coragem e uma estrutura psicológica mais forte para transmitir um caso que lhe foi muito dolorido. Nem sempre isso é possível. “Não podemos cobrar delas que comprem todas as lutas se for muito custoso emocionalmente”, diz Marina.
Se não é justo colocar ainda mais cobrança nas vítimas, ao menos podemos cobrar as próprias empresas para que desenvolvam uma postura mais adequada em relação a suas funcionárias. Segundo o Great Place To Work (GPTW), instituto que avalia e divulga as melhores empresas para trabalhar, é preciso criar um clima de confiança e escuta dentro do ambiente de trabalho. Os canais de comunicação mais sofisticados são importantes, mas não se sustentam se a funcionária não se sentir à vontade para expor o problema, seja para o RH ou para a liderança. Além disso, deve ser uma informação clara para as funcionárias onde elas falam dentro da empresa sobre um assédio sexual.
As advogadas e especialistas consultadas pela reportagem concordam com esses parâmetros. A defensora pública Ana Rita vai além. Ela cobra uma cultura empresarial que não desacredite as mulheres. “Precisamos de uma mudança na forma de acolher e receber essa denúncia. O ideal é que a mulher não seja desacreditada quando ela quer denunciar, porque isso é bem comum acontecer. Isso acaba desestimulando aquela mulher a dar continuidade na denúncia ou desestimulando outras mulheres a fazerem o mesmo.” Como o caso do ator José Mayer mostra, é com o enfrentamento do machismo, denúncias e protestos que casos de assédio serão, enfim, punidos.
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