Dona Adélia ainda faz teatro, artesanato, ginástica e desfila em escolas de samba da capital
Foto: Felipe Carneiro / Agencia RBS / Caroline Stinghen / caroline.stinghen@horasc.com.br
O tempo não passa para a aposentada Adélia Domingues. A idade, no papel, pode até parecer avançada: 81 anos. Mas se avaliar, como ela mesma explicou, é 18 ao contrário. A jovialidade é uma das características da moradora do bairro Rio Vermelho, no norte da Ilha. Espontânea e com um bom humor contagioso, ela resolveu sair de sua zona de conforto e voltou para a sala de aula. Queria aprender a ler e a escrever. E sua vida mudou.
Há pouco mais de três anos, dona Adélia ainda tinha dificuldade em ler o letreiro do ônibus. Nos grupos de terceira idade e de convivência que costumava participar, as demais mulheres sempre liam. Mas ela não conseguia. Resolveu que então era hora de aprender.
— Aí me falaram do NETI [Núcleo de Estudos da Terceira Idade] e resolvi vir aqui. Eu aprendi tanto, tanto — disse uma sorridente senhorinha.
Hoje, consegue ler facilmente o letreiro do ônibus, jornais, documentos e livros. Só tem uma dificuldade:
— Letra miudinha não consigo, né? — brincou.
Nas aulas que ocorrem três vezes por semana, ela também aprende a usar o computador. Todas as sextas-feiras ela pode fazer pesquisas na internet e já conhece até o "seu" Google.
— Eu sempre pesquiso sobre artesanato, pra tirar novas ideias. Sou artesã há muitos anos. Faço bonequinhas, bolsas e tudo de pano — revelou a aposentada, que também faz crochê. Ela vende seus produtos numa feira aos domingos na Lagoa da Conceição.
Como saúde essa senhorinha tem de sobra, dona Adélia não só se desloca ao NETI, na Trindade, três vezes por semana. Ainda vai ao centro, até o IFSC, onde faz teatro e participa do grupo de convivência Mulher Mil – uma iniciativa do Governo Federal para trabalhar a igualdade entre homens e mulheres. Também faz aulas de ginástica na própria UFSC. Tudinho de ônibus. Sem contar que durante o Carnaval a mulher participa do bloco da terceira idade da prefeitura, corre para se vestir de baiana para desfilar pela União da Ilha da Magia, e, se dá tempo, volta para desfilar pela Copa Lord. Pode isso?
Sonho em escrever
Quando começou as aulas, dona Adélia tinha um sonho. Depois de tantas conquistas ao longo de 80 anos e com tanta história para contar, ela se lançou um desafio. Queria escrever um livro com relatos sobre sua vida. Nascida na pequena cidade gaúcha de Pinheiro Machado, criou 11 filhos – nove deles vivos. Se separou, casou de novo e há 20 anos se mudou para Floripa para se juntar a uma filha que já morava na capital catarinense. Ficou viúva há 11 anos.
— Mas tá difícil de sair esse livro, viu? Ainda tenho uma insegurança danada para escrever — revelou.
E quem duvida de que ela não vá conseguir? Se aos 81 anos a "cataúcha" – como se descreve – conseguiu ir tão longe e dá um banho de disposição num tanto de gente mais novinha, temos certeza de que ela vai conseguir vencer mais este desafio. Por aqui já tem leitores do seu livro, dona Adélia!
Núcleo especializado
A aposentada interrompeu os estudos aos 14 anos para trabalhar na cozinha de uma fazenda gaúcha. Com o passar dos anos, até tentou voltar a estudar, mas com filhos e casamento ficou cada vez mais difícil.
Segundo a coordenadora do Núcleo da Educação de Jovens a Adultos (EJA), responsável pelas atividades da prefeitura no NETI, Carina Santiago dos Santos, o perfil de dona Adélia é parecido com o dos demais alunos. No Núcleo da Trindade, são 40 estudantes, em sua maioria mulheres.
— Muitas não puderam estudar porque tinham que cuidar da família, trabalhar para sustentar eles, ou até eram proibidas pelos esposos de estudar — comentou a coordenadora.
O grande desafio na educação de terceira idade é, primeiro, convencê-los de que é possível aprender em todas as idades, explicou Carina. O segundo é a questão do envelhecimento natural, que muitas vezes traz dificuldades neurais, por exemplo.
— Mas também trabalhamos com o fato de que o núcleo é um espaço de sociabilidade. Para muitas, é o único espaço de convívio com outras pessoas — observou.
As aulas são divididas entre primeiro segmento, onde o objetivo é aprender a ler e escrever; e segundo segmento, onde os idosos aprendem disciplinas como português, matemática, ciências, e até educação física. As matérias são trabalhadas conforme a vivência dos aposentados.
Por exemplo, os professores fizeram o seguinte questionamento aos alunos: ¿Por que o letramento é importante?¿. Daí, eles aprendem em ciências como é importante o processo de aprendizado para o cérebro. Em matemática, eles trabalham os números de quantos idosos voltaram a estudar no Brasil e a porcentagem a partir disso.
O NETI é uma parceria entre UFSC, com espaço físico, e Prefeitura de Florianópolis, que realiza a proposta pedagógica e é responsável por funcionários e professores.
Como participar?
A história de dona Adélia te motivou a voltar a estudar? É mais fácil do que você imagina. Para participar das aulas do EJA, as matrículas estão abertas o ano inteiro. No entanto, para chamar ainda mais atenção para esse assunto, a Prefeitura de Florianópolis começa nesta semana a campanha incentivando a rematrícula e no dia 5 de dezembro, outra, explicando como deve ser feita a matrícula. Basta você procurar a escola municipal mais próxima de sua casa que, se não for um núcleo do EJA, vai te direcionar para o núcleo mais próximos. Podem se matricular pessoas a partir dos 15 anos que não concluíram os estudos. Não tem idade limite.
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