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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O PAÍS DAS BOLSAS> Projeto de lei pretende criar o "bolsa-estupro" para evitar o aborto

Conhecido como "bolsa-estupro", um projeto de lei que tramita no Congresso está causando polêmica e despertando indignação e protestos de movimentos sociais, feministas e organizações não-governamentais. Trata-se de um projeto que pretende combater o aborto em gestações resultantes de estupro (nesses casos, a legislação brasileira permite o aborto). A proposta é de que o Estado pague um salário mínimo para a gestante vítima de estupro durante 18 meses, visando "dar estímulo financeiro para a mulher ter o filho", segundo um dos autores do texto, deputado Henrique Afonso (PT-AC).

A ideia do "bolsa-estupro" para vítimas de violência sexual faz parte do projeto do Estatuto do Nascituro, segundo o qual ficaria proibido no Brasil a prática de aborto em todos os casos, além de estabelecer a proibição de pesquisas com células-tronco, congelamento de embriões e técnicas de reprodução assistida. Assim, a mulheres impossibilitadas de engravidar por meios naturais teriam a opção apenas de adotar crianças.

Os textos provocaram enxurrada de reclamações e protestos de organizações não-governamentais ligadas aos direitos humanos, aos movimentos feministas e até mesmo em esferas governamentais. Ontem, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher divulgou carta afirmando que as propostas são um retrocesso nos direitos já obtidos no País. "É retrocesso, uma proposta sem cabimento, equivocada desde o começo. Trata a violência contra a mulher como monetária, como se resolvesse dando um apoio financeiro. Nós apoiamos a liberdade de escolha da mulher", afirma a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres.

"O aborto, para nós evangélicos, é um ato contra a vida em todos os casos, não importa se a mulher corre risco ou se foi estuprada", afirma o deputado Henrique Afonso. "Essa questão do Estado laico é muito debatida, tem gente que me diz que eu não devo legislar como cristão, mas é nisso que eu acredito e faço o que Deus manda, não consigo imaginar separar as duas coisas."

A proposta do deputado inclui ainda outro item bastante polêmico, que prevê que psicólogos, pagos pelo Estado, devam atender essas mulheres para convencê-las da importância da vida, fazendo com que elas desistam do aborto. "O psicólogo comprometido com a doutrina cristã deve influenciar a mulher e fazer com que ela mude de opinião", defende Afonso. No entanto, o Código de Ética da profissão proíbe ao psicólogo, no exercício de suas funções, "induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual".

Na justificativa do projeto, o deputado diz que "se, no futuro, a mulher se casa e tem outros filhos, o filho do estupro costuma ser o preferido. Tem uma explicação simples na psicologia feminina: as mães se apegam de modo especial aos filhos que lhes deram maior trabalho".

"A ciência está do nosso lado, pois a genética diz que a concepção acontece no primeiro minuto, a partir daí já é uma vida e vamos fazer de tudo para que ela seja respeitada", defende o deputado Luiz Bassuma (PT-BA). Questionado sobre a proibição de congelamento de embriões in vitro, o deputado é enfático: "As mulheres que adotem. A resposta para quem não consegue ter filhos é adoção. Estamos sendo pioneiros, o mundo inteiro ainda vai rever essas permissões que se dizem científicas e são contra a vida", diz ele.

REAÇÕES
"Há uma dificuldade em compreender que o Estado democrático surge para assegurar a liberdade de crença da população. Há uma confusão no entendimento de alguns parlamentares entre direito e moral, entre religião e política pública", afirma a advogada Samantha Buglione, do Instituto Antígona e das Jornadas Pelo Direito de Decidir.

"Desse modo, propostas como essas corrompem toda a estrutura legal que nós temos, pois pretendem impor uma determinada crença, um pensamento único, baseado numa moral", complementa.

A jurista Silvia Pimentel, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e vice-presidente da Comissão das Nações Unidas para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres, realça o caráter de troca da proposta, de pagamento financeiro num contexto de miséria de boa parte da população. "É lamentável que mais uma vez nossos parlamentares estejam se ocupando de questões sérias de maneira esdrúxula. Adoraria perguntar a eles se gastam tanta energia e dedicação à implantação efetiva do Estatuto da Criança e do Adolescente."

"Não é a proteção da maternidade, senão todas as grávidas receberiam. Nem compensação para vítima de violência sexual, pois senão todas também receberiam. É perverso propor oferecer dinheiro para mulheres aderirem a uma tese. Porque é uma tese que eles colocam", diz a antropóloga Débora Diniz, da Universidade de Brasília (UnB).Com informações dO Estadão

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