Em 2011, 70 das 93 sessões caíram por falta de quorum. O presidente raramente aparece. "A Casa se caracteriza hoje por atender o governo. A câmara está se apequenando”, afirma Paulo Pinheiro, do PSOL
O plenário vazinho na última quinta-feira: falta de quorum é o padrão na Câmara do Rio (Cecília Ritto)
O relógio marca 16 horas. É o sinal para que o plenário vazio comece a encher, com a chegada dos ocupantes das 51 cadeiras da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Mas quase nada acontece. Na última quarta-feira, na abertura da sessão no Palácio Pedro Ernesto, só sete vereadores deram o ar da graça – apesar de o painel marcar 26 presenças. A partir daí, o triste e enfadonho roteiro do plenário do Legislativo municipal do Rio é conhecido. O ritual começa com o pedido, pela oposição, para verificação nominal dos políticos. Depois da contagem vem a confirmação de que não há quorum para deliberar. A tragédia da democracia acontece em série: em 2011, de março até o dia 23 de novembro, das 93 sessões plenárias, 70 caíram por falta do número necessário de vereadores; 11 não chegaram a abrir; e em apenas 12 os políticos cumpriram o seu papel. O levantamento foi feito pelo gabinete da vereadora Teresa Bergher, do PSDB, a partir do Diário da Câmara Municipal.
A sessão abre às 14h com sete assinaturas. Normalmente, três vereadores se inscrevem para falar. Na ausência de plateia, já estão acostumados a discursar apenas para a TV Câmara. Às 16h, a sessão é reaberta com 17 assinaturas. Quando é feita a contagem de presenças, a casa, que tem 51 vereadores, costuma não cumprir o mínimo exigido. E, como quase uma regra, perde-se mais um dia de plenário. “Há mais de 300 projetos de leis por serem votados”, afirma Teresa.
A desculpa da quarta-feira era uma reunião para discutir a cobrança do acréscimo de gabarito para as varandas que são cobertas nos prédios do Rio. A presença de integrantes da Secretaria de Urbanismo, do Sindicato de Engenheiros, da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Rio (Ademi-RJ) e de associações de moradores foi um prato cheio para que os vereadores não gastassem a sola de seus sapatos no trajeto da sala onde ocorria o encontro até o plenário da casa. Uma tentativa chegou a ser feita: a sessão foi prorrogada para que houvesse tempo de os vereadores chegarem. Às 16h40, no entanto, confirmou-se o cenário de sempre.
O próprio presidente da Câmara, Jorge Felippe, do PMDB, não compareceu. Uma hora e meia antes de o segundo expediente começar, à 16h, Felippe já havia dito ao site de VEJA que a sessão de quarta cairia. A explicação era a maior importância da reunião. E é essa mesma explicação que o peemedebista usa para a ausência em massa das sessões. “Estamos preocupados em boas leis e não em muitas leis”, argumenta, tentando justificar o injustificável: os debates públicos, as sessões previstas no regimento da casa, não acontecem.
Há exceções no descaso dos parlamentares. A Casa fica cheia quando é hora de votar o que vem do Executivo. É o bloco do “unidos votaremos”, que garante ao prefeito Eduardo Paes uma situação folgada para todo tipo de proposta. A oposição, atualmente, ocupa apenas seis cadeiras – o que permite, por exemplo, que Paes altere, se assim quiser, a Lei Orgânica do Município.
Além de propor, elaborar, discutir e aprovar leis, a Câmara Municipal é a responsável por fiscalizar os gastos e a atuação do prefeito. Pelo menos é assim que deveria funcionar a Casa. Mas a maioria absoluta – ou avassaladora – da base de apoio do Executivo criou uma calmaria preocupante. “O vereador não é despachante de luxo. Mas aqui na casa o vereador de opinião está morrendo. A casa se caracteriza hoje por atender o governo. A câmara está se apequenando”, afirma Paulo Pinheiro, do PSOL.
Ulisses Guimarães já dizia que uma nova legislatura é sempre pior que a anterior. A oposição da Câmara Municipal do Rio acredita nessa máxima. A situação, não. “Ainda bem que isso não se profetizou em nossa Câmara. Essa legislatura foi uma das mais profícuas”, afirma Felippe. De 2009 a 2011, no entanto, os vereadores foram mais lembrados pelo que não fizeram do que pelo fizeram. No começo deste ano, a casa gastou 3,5 milhões de reais empregados para comprar automóveis de luxo. Os vereadores escolheram o modelo Jetta, que custa 70 mil reais. Com a pressão dos eleitores, acabaram voltando atrás depois de terem a imagem arranhada. Também em 2011 o vereador Deco, que usava o seu gabinete como uma espécie de escritório para cuidar dos negócios da milícia que comandava, foi preso.
Os últimos três anos não foram dos melhores para a imagem da casa. Na legislatura anterior, a situação não era tão confortável para o Executivo. Cesar Maia, ex-prefeito do Rio pelo DEM, lembra que, em sua gestão, os vereadores foram mais independentes. E, em eco com a bancada oposicionista, Maia, que planeja disputar uma vaga na Câmara nas eleições de 2012, critica a política à base do trator. “Quando ouvi palestras de ‘politólogos’, eles sempre repetiam que a independência do legislativo e até o seu funcionamento em maioria de oposição são garantias de estabilidade política”, diz. “Ocorre que a representação comunitária gera demanda dos vereadores sobre os prefeitos. Quando os prefeitos usam isso para impor um rolo compressor, conseguem. Nunca foi meu estilo”, diz Maia.
É claro que, para um alcaide, ter maioria é garantia de navegar sem problemas. Cesar Maia tinha maioria. Mas sofreu bombardeio a ponto de abortar um de seus projetos: o museu Guggenheim que queria criar na zona portuária, com projeto do renomado arquiteto Jean Novel. O prefeito mudou o curso do projeto e, em vez da franquia internacional, instalou na Barra da Tijuca, na zona oeste, a Cidade da Música. Paes rebatizou o projeto, como Cidade das Artes, e, agora, prepara-se criar, onde ficaria o Guggenheim de Cesar, o Museu do Amanhã – assinado pelo espanhol Santiago Calatrava.
Por causa do tamanho de adesão ao mandato de Paes, Andrea Gouveia Vieira, do PSDB, relata a dificuldade de conseguir votos para fazer frente aos projetos do prefeito. “Não há mais discussão sobre orçamento”, afirma a vereadora que foi da oposição tanto no governo de Maia quanto no de Paes. “Na época de Cesar Maia nós (da oposição) éramos mais do que atualmente. E também exista menos coesão na base da situação. Mas mesmo assim não conseguíamos impedir nada porque o poder de barganha do executivo é muito grande”, argumenta a tucana.
O terceiro ano de uma legislatura, tradicionalmente, é o de maior calmaria. O primeiro quarto dos mandatos costuma ser mais movimentado, com os recém-eleitos tentando mostrar serviço, ocupar espaço, garantir seus quinhões. No segundo a coisa começa a arrefecer e, no terceiro, há estagnação. No quarto ano, é hora de levantar poeira – mas nas ruas, quando começa a campanha para garantir a reeleição.
Na atual legislatura, encolheu a oposição, um vereador foi preso, carros importados foram comprados, o salário aumentou no meio do mandato e o plenário da casa de transformou em um grande vazio. Por enquanto, há poucas razões para acreditar que a partir de 2013 a situação seja muito diferente da de agora. Os vereadores que serão eleitos em 2012, no entanto, têm missões a mais. Serão eles os ocupantes da Casa quando estarão em curso a parte mais cara e volumosa das obras para os Jogos Olímpicos de 2016. A esperança, para o eleitor, é que a Olimpíada dê ânimo à Câmara – ou, pelo menos, que a visibilidade do Rio tire da inércia os escolhidos do povo. Cecília Ritto, do Rio de Janeiro Da VEJA