Imagem André: Divulgação / Consultório da Fama

Ocorre que esse acréscimo anual chega em um momento de desequilíbrio financeiro nas famílias. O país encerra o ano com alta proporção de endividados, juros elevados e uma trajetória de consumo marcada por parcelamentos longos e dependência crescente do crédito rotativo.
É nesse contexto que especialistas em finanças defendem uma abordagem mais racional, e menos emocional para o uso do 13º.
“O 13º não é bônus; é recomposição salarial”
O contador e educador financeiro André Charone, autor do livro A Verdade Sobre o Dinheiro, afirma que parte do problema está na própria percepção do benefício.
“O 13º é tratado como prêmio, quando na verdade se trata de renda diferida. É salário que o trabalhador não recebeu ao longo do ano e que volta agora. Quando o consumidor o enxerga como dinheiro extra, tende a repetir os erros que o levaram ao endividamento”, diz.
Para Charone, o uso adequado do benefício exige reconhecer, antes de tudo, o cenário econômico do país, marcado por juros elevados e instabilidade, e a posição financeira individual.
Prioridade imediata: dívidas caras
Segundo dados recentes de pesquisa sobre famílias endividadas, mais da metade dos compromissos está concentrada em cartão de crédito e cheque especial, modalidades com custos superiores aos de qualquer investimento tradicional.
Para Charone, usar o 13º para amortizar ou liquidar essas dívidas é a alternativa mais racional:
“Não existe aplicação que compensaria os juros de 12%, 15% ou 20% ao mês. A lógica financeira é implacável: toda parcela do 13º destinada ao pagamento do rotativo equivale a um ganho imediato.”
Reserva financeira ainda é tabu, mas deveria ser prioridade
Embora especialistas repitam há anos a importância de uma reserva de emergência, grande parte dos brasileiros permanece sem qualquer colchão financeiro.
A ausência de poupança tem contribuído para que imprevistos, como problemas de saúde, manutenção de carro ou perda temporária de renda, se transformem em dívidas.
Charone afirma que até pequenas reservas são decisivas:
“A reserva não precisa estar completa para ser eficiente. R$ 300, R$ 500, R$ 1.000 já evitam dívidas futuras. O brasileiro precisa abandonar a ideia de que só vale a pena começar quando o valor é grande.”
IPTU, IPVA, matrícula escolar, seguros, renovação de contratos e cobrança de anuidades. Todos são gastos conhecidos e recorrentes, mas continuam sendo responsáveis por boa parte das inadimplências registradas em março e abril.
“O problema não é surpresa, é falta de planejamento”, diz Charone.
O especialista sugere destinar parte do 13º especificamente para esses compromissos, reduzindo a dependência de parcelamentos com juros embutidos.
Consumo: a normalidade que precisa de limites
Não há consenso entre especialistas sobre a necessidade de cortar todo tipo de consumo no fim do ano. O argumento predominante, porém, é que o gasto deve ser condicionado ao cumprimento das etapas anteriores.
Segundo Charone:
“Não estou dizendo que ninguém pode celebrar. O que não é razoável é celebrar às custas de 2026. O 13º pode, e deve, ter espaço para lazer, mas depois que as vulnerabilidades financeiras forem eliminadas.”
Ele recomenda um limite prático: até 20% do benefício pode ser direcionado a consumo não essencial, desde que o restante seja empregado de forma estratégica.
Investimentos: oportunidade, não obrigação
O uso do 13º para investir pode ser vantajoso, mas não é prioridade universal. Para quem tem dívidas caras ou não possui reserva, investir antes de resolver essas questões pode gerar “falsa sensação de prosperidade”, diz o especialista.
Quando o orçamento está organizado, no entanto, o décimo terceiro pode acelerar objetivos de médio e longo prazos. Renda fixa pós-fixada, Tesouro Selic e CDBs com liquidez diária são alternativas para quem está começando.
Para André Charone, o desafio é cultural:
“Se o brasileiro tratasse o 13º com o mesmo cuidado com que trata o salário mensal, veríamos menos famílias reféns do crédito e mais pessoas com estabilidade financeira real.”
Enquanto isso não acontece, o benefício segue sendo, para muitos, a única oportunidade anual de corrigir rumos. Usá-lo com responsabilidade pode ser a diferença entre iniciar o ano seguinte em ordem, ou repetir o ciclo de aperto financeiro.
Sobre o autor:
André Charone é contador, professor universitário, Mestre em Negócios Internacionais pela Must University (Flórida-EUA), possui MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela FGV (São Paulo – Brasil) e certificação internacional pela Universidade de Harvard (Massachusetts-EUA) e Disney Institute (Flórida-EUA).
É sócio do escritório Belconta – Belém Contabilidade e do Portal Neo Ensino, autor de livros e centenas de artigos na área contábil, empresarial e educacional.
Seu mais recente trabalho é o livro "Empresário Sem Fronteiras: Importação e Exportação para pequenas empresas na prática", em que apresenta um guia realista para transformar negócios locais em marcas globais. A obra traz passo a passo estratégias de importação, exportação, precificação para mercados externos, regimes tributários corretos, além de dicas práticas de negociação e prevenção contra armadilhas no comércio internacional.
Disponível em versão física: https://loja.uiclap.com/titulo/ua111005/
Instagram: @andrecharone
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