Programa foi responsável por reduzir em 41% os casos de aids entre os mais pobres e em 25% os índices de mortalidade da doença
Foto: Agência Brasil
O Bolsa Família, lançado pela primeira vez em 2003 e relançado em 2023 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mostrou que o programa não é apenas ferramenta para tirar o Brasil do Mapa da Fome e promover o crescimento econômico com justiça social, como apresenta impactos diretos na saúde dos brasileiros. Segundo pesquisa publicada na revista científica Nature, o Bolsa Família pode reduzir as taxas de incidência, mortalidade e letalidade por aids, além de diminuir as notificações de infecção por pelo vírus HIV.
Liderado pelo Instituto de Saúde Coletiva (ISC), da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em parceria com a Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), o estudo visou à análise dos impactos do programa entre populações extremamente vulneráveis, e trabalhou com dados de 2.788.998 milhões de brasileiros com idade a partir de 13 anos, por um período de nove anos, entre 2007 e 2015.
A pesquisa relacionou informações dessas quase 23 milhões de pessoas a partir do Cadastro Único (CadÚnico), do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, que reúnem notificações de doenças e de óbitos em todo o País, respectivamente.
Foram encontrados 22.212 casos de aids, sendo 9.201 deles entre beneficiários do Bolsa Família e 13.011 entre não beneficiários. Entre esses números, houve 7.650 óbitos associados à aids, dos quais 42,2% eram de beneficiários, enquanto 57,8% foram entre não beneficiários.
O estudo observou que mais pessoas com HIV que não recebiam o benefício desenvolveram aids, em comparação com aquelas que recebiam. A incidência foi de cerca de 30 casos por 100 mil pessoas entre os não beneficiários, enquanto, entre os beneficiários, foi de 25 casos por 100 mil pessoas.
Em relação à taxa de mortalidade, os pesquisadores constataram também que mais pessoas que não recebiam o benefício morreram por motivos associados à aids em comparação com aquelas que recebiam. A proporção foi de 10 óbitos por 100 mil pessoas entre os não beneficiários, enquanto, entre os beneficiários, foi de nove óbitos por 100 mil pessoas. E, analisando os 22.212 casos rastreados com a síndrome da aids, a letalidade entre essas pessoas foi maior entre os não beneficiários, de aproximadamente nove óbitos por 100 pessoas. Entre os beneficiários, a letalidade foi menor, com cerca de sete óbitos por 100 pessoas.
“Isso significa que a probabilidade de uma pessoa que participa do programa desenvolver aids é 41% menor do que aquela probabilidade de alguém com características semelhantes, mas que não está no programa. Já sobre a probabilidade de uma pessoa que recebe o Bolsa Família morrer devido a aids é 39% menor em comparação com aqueles que não recebem o benefício. Por fim, as taxas de letalidade, que representam a proporção de casos fatais entre os casos diagnosticados de aids, também diminuíram em 25% entre os participantes do programa. Ou seja, a chance de uma pessoa morrer após ser diagnosticada com aids é 25% menor para aqueles que fazem parte do programa”, explicou à Agência Fiocruz de Notícias a pesquisadora Andréa Silva, do ISC/UFBA e Cidacs/Fiocruz Bahia.
Em entrevista ao Canal Gov, o médico sanitarista e epidemiologista Draurio Barreira, diretor do Departamento de HIV/Aids, Tuberculosa, Hepatites Virais e ISTs do Ministério da Saúde, relatou que há 11 anos, o Governo Federal participou de um estudo realizados pelos mesmos parceiros da atual pesquisa, e que a equipe da Saúde participou em coautoria, mas analisando os impactos do Bolsa Família na transmissão, prevenção e na cura da tuberculose.
“Essas doenças são determinadas socialmente. A tuberculose sempre foi. O HIV/Aids passou por um processo longo de pauperização em que, hoje, as pessoas mais afetadas pelo HIV e Aids são aquelas das camadas sociais mais vulnerabilizadas. Nós temos uma prevalência muito maior entre as pessoas mais pobres, pretas, periféricas e que não têm acesso não só ao sistema de saúde por desconhecer seus direitos, como muitos pelo estigma e pelo preconceito”, explicou.
Para o médico, o Bolsa Família aproxima as pessoas vulnerabilizadas do serviço de saúde, permitindo testagem e tratamento, com o fornecimento de medicação retroviral, por exemplo, evitando inclusive a transmissão do HIV. “Na medida em que você tem instrumentos de benefícios sociais, de proteção social que os inclui em algum sistema, como, por exemplo, no Bolsa Família, elas passam a ter acesso à informação, ao conhecimento dos seus direitos, ao acesso físico das unidades de saúde porque os pré-requisitos dos programas de transferência de renda incluem saúde e educação”, completou.
No dia 7 de fevereiro de 2024, o Governo Lançou o programa Brasil Saudável, que prevê a eliminação de 14 doenças determinadas socialmente; entre elas, HIV/Aids, tuberculose, sífilis, hepatites virais, malária, doença de Chagas, entre outras, que afetam, sobretudo, as populações em situação de vulnerabilidade.
“Com isso, você tem um impacto grande na incidência da doença e, obviamente, também, na mortalidade […] O fato de incluir as pessoas em programas de transferência de renda, de acolhimento, de benefícios sociais e econômicos, torna essas pessoas cidadãs, oferecendo serviços de saúde e assistência social, rompendo barreiras econômicas e geográficas. São vários ganhos colaterais que não são o objetivo principal do programa, mas que influenciam”, argumentou o diretor.
No mesmo sentido, a pesquisadora Andréa também relaciona as condicionalidades do programa. Ou seja, a vinculação da concessão do benefício à vacinação de crianças, ao acompanhamento pré-natal das gestantes. Desso modo, as famílias são estimuladas a procurar serviços de saúde, recebendo, então, diagnóstico e orientações sobre prevenção contra o HIV e tratamento da aids. Consequentemente, a transmissão também diminui. “Isso sugere que o programa pode ter um impacto particularmente positivo na saúde desses grupos demográficos, destacando sua importância na redução das desigualdades de gênero e idade em saúde”, explicou a pesquisadora.
O estudo também trouxe evidências de que os efeitos foram mais significativos entre as pessoas com renda extremamente baixa entre mulheres e adolescentes beneficiárias, diferente das que, na mesma situação econômica e social, não recebiam o benefício. “Houve uma redução de 55% na incidência da AIDS entre esses participantes, uma queda de 54% na mortalidade relacionada a AIDS e uma diminuição de 37% nas taxas de letalidade”, acrescentou Andréa.
De acordo com a pesquisa, mulheres beneficiárias tiveram uma redução de 40% nas chances de desenvolverem AIDS em comparação com as não beneficiárias, e diminuição de 42% na taxa de mortalidade. No caso das adolescentes, a redução é ainda mais significativa, com uma diminuição de 52% nas chances de incidência da síndrome e queda de 54% na taxa de mortalidade.
O médico Draurio Barreira afirma também que o programa Brasil Saudável colocou como meta a eliminação da Aids, interrompendo a transmissão do vírus HIV. “Acabar com a transmissão, mas as pessoas continuam vivendo com a doença que têm, então, se a gente conseguir eliminar a transmissão do HIV, as pessoas que têm o vírus vão morrer com 80, 90 anos com HIV, porque não é curável, mas prevenível. A meta é detectar 95% das pessoas que têm o vírus, colocá-las em tratamento e tornar indetectável a carga viral dessas 95% pessoas tratadas. É uma cascata. Se a gente atingir isso, eliminamos a Aids como problema de saúde pública”, explicou a estratégia, reforçando que, quando a carga viral não é detectável, não ocorre a transmissão. O principal esforço será ampliar a detecção que, atualmente, segundo ele, é de 89%.
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