por Fernando Duarte
Relativizar a corrupção não é novidade para quem está no poder. Foi assim quando o PSDB comandou o país, continuou assim quando o PT passou pelo Palácio do Planalto, seguiu mais explícito quando o PMDB chegou lá de novo e vai manter “isso aí” com o governo de Jair Bolsonaro. Isso para ficar restrito aos últimos 20 anos. As razões são diversas, mas a principal é que tendemos a flexibilizar a moral quando enxergamos certo nível de compaixão nas relações humanas. Ainda que aqueles que estejam na outra ponta não mereçam esse afago.
O silêncio – e a tentativa de silenciar a Justiça – no caso do motorista Flávio Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, é apenas o exemplo mais recente de que o brasileiro médio possui réguas que variam de maneira subjetiva para julgar aquele que detêm simpatia. Desde a emergência das supostas irregularidades na movimentação financeira de Queiroz, que incluía até um depósito na conta da primeira-dama, Michele Bolsonaro, o que se vê é um número expressivo de defensores do clã presidencial buscando justificativas para tentar tapar o sol com a peneira.
Porém, há uma suspeita plausível e é necessário investigar. Não apurar possíveis desvios de recursos públicos, como levam a crer as informações preliminares do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), é um erro do ponto de vista estratégico do governo e também um confronto ao discurso de que “a mamata iria acabar”. E, por mais que Flávio não seja formalmente integrante do governo, o escândalo em que ele se envolveu atinge em cheio a credibilidade do discurso do pai, que chegou ao Palácio do Planalto endossando a necessidade de uma “nova política” – que sabemos não ter nada de novo, apesar da maquiagem sugerir esse “novo momento”.
O séquito de bolsonaristas critica o PT por ter o que eles chamam de “bandido de estimação” ao se referirem a nomes como Luiz Inácio Lula da Silva e José Dirceu. No entanto, até o momento, Queiroz se comporta como o “pet” da família Bolsonaro e as explicações sobre o caso custam a chegar a público. Se não há nada de ilegal na compra e venda de carros, como sugeriu o motorista em entrevista ao SBT, ele deveria repetir o mesmo para o MP-RJ. Queiroz, todavia, não apareceu para prestar depoimento. Nem a família dele e muito menos o ainda deputado estadual do Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro.
Senador eleito, Flávio usou uma condição ainda não conquistada de prerrogativa de foro para suspender, mesmo que temporariamente, a continuidade da investigação no Supremo Tribunal Federal (STF). Foi, conforme os analistas, um tiro no pé que o colocou no olho da investigação quando, até então, ele permanecia como uma figura secundária no processo. Porém, para a rede de apoiadores, a flexibilização da moral permite que ele siga o próprio destino sob a pena de transformar o MP-RJ e a imprensa em meros “detratores” da primeira família.
Quando Lula recebeu o tríplex da OAS, como a condenação que o mantém preso garante, o ex-presidente não viu corrupção no caso. Quando a Odebrecht fez reformas no sítio de Atibaia, foi a mesma lógica. Quando Michel Temer recebeu Joesley Batista no Palácio do Jaburu na madrugada e sem registro oficial, também não viu nada de irregular. E, a cada momento, um grupo minimizou esses erros. Agora, é a vez dos bolsonaristas. A pergunta é: até quando essa moral será ajustável?
Este texto integra o comentário desta segunda-feira (21) para a RBN Digital, veiculado às 7h e às 12h30, e para as rádios Excelsior, Irecê Líder FM, Clube FM e RB FM.
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