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sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O MEU MENINO JESUS

Por Humberto Pinho da Silva
Guardo doces recordações dos serões da casa de meu pai. Não havia ainda televisão e era impensável a Internet. A família ficava, após o jantar, a conviver, a conversar.

Meu pai, contava, então, velhas histórias de família. Histórias que ouvira a sua avó, que explicavam a razão e a origem de certo quadro ou imagem, que tínhamos em casa.

Entre elas, lembro-me a do Menino Jesus. Estatueta de madeira, representando criança, entre os quatro a cinco anos.

Havia em Gonçalo ou arredores de Viseu - não sabia ao certo, - formosa menina, filha de abastado lavrador, que possuía Menino Jesus, rechonchudo e coradinho, solicitado para assistir a velórios de anjinhos, que partiam antes da puberdade.

Na quinta, trabalhava moço que engraçou com a menina, e esta, por sua vez, enamorou-se do jovem. Escusado é dizer, que os pais da rapariga, não aceitaram tal amizade. Conhecedores dessa proibição, assentaram guardar segredo daquele amor tão desigual.

O tempo passou, mas não a amizade. Essa, sempre crescia, alimentada com olhares ternos e beijos furtivos.

Ardendo em amores, a menina aceitou ser raptada. Uma bela manhã, antes do Sol nascer, entroixou as roupas e fugiu na companhia do moço.

Receosos que a viessem procurar, enclausurando-a num convento ou casa de familiares, os jovens vieram para a cidade do Porto, em busca de casa e trabalho.

Acolheram-se em modesta casinha e matrimoniaram-se na igreja de Santa Marinha.

A vida do casal era simples, mas o amor que os unia era tão grande, que nem reparavam na pobreza.

Bafejados pela sorte, conseguiram amealhar pé-de-meia, e decorar a casinha com gosto e algum gasto.

Guardava a jovem esposa grande desgosto. Não sofria saudades dos pais, nem irmãos, e menos ainda do quarto da rica casa paterna, mas sim, do Menino Jesus, que lá deixara.

Certa ocasião, o marido, ausentou-se. Foi a Viseu. Conseguiu que fossem solicitar o “Menino”, para expô-lo a velório de anjinho. Na pose da imagem, correu a santeiro, para que fizesse cópia fiel.

Decorrido semanas, na posse da imagem, apresentou-a, cheio de contentamento, à mulher. Perante o alegre pasmo, ouviu, o moço, áspera censura:

- “ Não quero o Menino. Fizeste acto muito feio: roubar é pecado!

Mas logo tudo foi sanado, ao saber que era apenas cópia.

Assim a imagem passou de geração a geração, até às minhas mãos.

Com a televisão e outros entretenimentos, os acolhedores serões em família, terminaram - já na minha adolescência. Com eles, perdi velhas e curiosas histórias que tanto encantaram a minha juventude.

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