O aumento significativo dos números absolutos, no entanto, não tem feito diminuir a desigualdade na distribuição.
O Brasil alcançou neste ano o maior número de médicos da sua história. São mais de 450 mil e o marco de meio milhão deve ser alcançado muito em breve, em 2020, quando a taxa de médicos por cada grupo de mil habitantes deve chegar a 2,5 – similar a de países desenvolvidos como, por exemplo, Estados Unidos e Canadá.
O aumento significativo dos números absolutos, no entanto, não tem feito diminuir a desigualdade na distribuição, fixação e acesso da população a esses profissionais.
Além da concentração no Sudeste —a região tem taxa de 2,81 médicos por mil habitantes, contra 1,16 no Norte —, os médicos também preferem os grandes centros.
Nas localidades com até 20 mil moradores, que correspondem a 68,3% das cidades brasileiras, há menos de 0,40 médico por mil habitantes. Nas 42 cidades brasileiras com mais de 500 mil habitantes, a taxa é bem maior, de 4,33 profissionais por mil moradores.
Os dados são da pesquisa Demografia Médica no Brasil 2018, feita pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) com apoio do Conselho Federal de Medicina e o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, o Cremesp.
“O levantamento mostrou que temos uma sobreposição de desigualdades. A desigualdade geográfica, a desigualdade no interior do sistema, já que a população atendida pelo sistema privado tem cerca de três vezes mais médicos que a atendida pelo SUS, e a desigualdade própria da profissão, que é a distribuição díspar entre especialidades”, diz Mario Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP e coordenador da pesquisa.
Mudar esse cenário, diz o pesquisador, depende de uma política que combine medidas que incidam desde a formação do aluno (com currículo que valorize competências voltadas à atenção primária), passem por políticas de atratividade (como remuneração a quem se dispuser a atuar longe dos grandes centros) e chegar a estratégias que garantam a permanência dos médicos em áreas desassistidas.
“Por isso, a abertura de escolas de medicina no interior do país [estratégia do Programa Mais Médicos] partiu do diagnóstico correto, porque realmente são lugares desassistidos. Mas o que se vê é o estudante sair do grande centro, ir ao interior fazer a graduação e voltar logo em seguida.”
A afirmação do especialista é corroborada por dados da pesquisa: para 84% dos egressos do curso, as condições de trabalho são o principal determinante para fixação em uma instituição ou cidade. Qualidade de vida aparece com 66,2%, seguida por remuneração, 63,1%, possibilidade de aperfeiçoamento e especialização, 50,2%, e plano de carreira, 47,8%.
“A atuação do médico é extremamente regulamentada. Se falta um equipamento, ele pode ser responsabilizado. Quem consegue ficar nessa situação por muito tempo? Médico sem condições de trabalho vira espectador privilegiado do sofrimento humano”, diz o presidente da Associação Médica Brasileira, Lincoln Lopes Ferreira.
Além do que, completa Ferreira, deixá-lo à mercê é um desperdício dos recursos investidos em sua formação. “Independentemente se foi dinheiro público ou curso particular, o custo de seis anos de formação mais a especialização não é menos do que R$ 1 milhão. Como você pega essa pessoa com capital cultural e emocional e não dá condições de trabalho?”
Para especialistas, no entanto, o modelo de financiamento do SUS não aponta para a criação de uma carreira de Estado para o médico.
“O que vemos é um encolhimento da participação da União nos gastos com saúde pública, uma transferência da responsabilidade a municípios e estados. Nos últimos anos, o dinheiro federal caiu de 60% para 46% do total investido no SUS”, diz Donizetti Dimer Giamberardino Filho, coordenador da Comissão Nacional Pró-SUS do Conselho Federal de Medicina.
“O Brasil confundiu descentralização com municipalização e sobrecarregou lugares pequenos e sem recursos. É um sistema perverso e desorganizado”, completa.
Em nota, Ministério da Saúde afirma destinar recursos crescentes para a saúde. “Em 2017, foram R$ 126,9 bilhões. Para 2018, o orçamento aprovado pelo Congresso Nacional foi de R$ 130,8 bilhões.”
A pasta diz ainda que “tem adotado uma gestão austera para o melhor planejamento do gasto público e a expansão dos serviços” e aponta “ampliação do custeio da saúde de 13,2% para 15% da receita líquida”. “A gestão do SUS, conforme a legislação, é compartilhada com estados e municípios, responsáveis pela execução dos serviços, por complementar o financiamento e pela organização da rede.”
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