por Luiz Vassallo Julia Affonso, Mateus Coutinho e Ricardo Brandt | Estadão Conteúdo
Três ex-funcionárias do frigorífico Peccin, alvo da Operação Carne Fraca, relataram à Polícia Federal, em fevereiro de 2015, que a empresa praticava "fraudes na formulação de produtos", como o uso de "carnes sem rotulagem", "acondicionadas sem refrigeração" e "estragadas" para a produção de alimentos. As funcionárias afirmaram terem sido coagidas a mentir a agentes públicos sobre a composição dos produtos produzidos pelo Peccin e levantaram suspeitas sobre um possível conluio entre o laboratório responsável pela análise da carne e donos do frigorífico. Relataram ainda que os donos da empresa pagavam propinas a agentes públicos para que fossem permitidas irregularidades na produção de alimentos. A Operação Carne Fraca teve como ponto de partida o depoimento de Daniel Gouvêa Teixeira, fiscal que foi afastado do cargo após pedir a suspensão das atividades do frigorífico Peccin, do Paraná. De acordo com as investigações, a retirada do fiscal teria sido negociada, mediante propinas, entre a então chefe do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal, Maria do Rocio, e os donos da empresa, Nair e Idair Piccin. O caso do afastamento do delator da Carne Fraca foi assistido, de dentro do Peccin, pelas ex-funcionárias Daiane Marcela Maciel, Joyce Igarashi Camilo, e Vanessa Letícia Charneski, que compareceram, em fevereiro de 2015 ao departamento de Polícia Federal do Paraná, para denunciar fraudes na produção de carnes e propinas pagas a agentes de fiscalização que antecederam e substituíram Daniel Gouvêa Teixeira nas vistorias do frigorífico. Ex-auxiliar de inspeção do Peccin entre 2013 e 2014, Daiane Marcela Maciel relatou ao delegado da Polícia Federal Maurício Moscardi Grillo que "diversas vezes presenciou fraudes na formulação de produtos da empresa, bem como carnes sem rotulagem, carnes acondicionadas sem refrigeração, utilização de carnes estragadas para composição de salsicha, linguiça". Ela ainda disse que a empresa substituía carne por produtos mais baratos, sem a mesma qualidade, para vender a preços mais baixos. Ainda contou à Polícia Federal que o Peccin comprou carne estragada e usou ácido sórbico para "maquiar" o estado do produto. A ex-funcionária do frigorífico denunciou também que Nair Piccin, dona da empresa, pedia que "não passasse para o fiscal Daniel Teixeira as irregularidades que presenciava dentro da empresa Peccin Agroindustrial". De acordo com a decisão judicial que deflagrou a Operação Carne Fraca, Daiene Marcela Maciel "ouviu, ainda, o irmão do dono da empresa, Normélio Peccin, incomodado com a fiscalização desenvolvida por Daniel Teixeira, dizer que 'colocaria uma bala na cabeça desse vagabundo'". Joyce Igarashi Camilo, que foi responsável técnica pelo controle de qualidade do Peccin, também contou à Polícia Federal que "tinha certeza" da participação do laboratório Laboran, responsável pela análise das amostras de carne, nas fraudes. Segundo a depoente, a empresa, certa vez, pediu à dona do Peccin para enviar outra amostra do produto, porque a anterior, enviada pelo frigorífico, "não tinha preenchido requisitos técnicos exigidos". Os depoimentos ainda dão conta de que o laboratório "corrigia alguns valores quando não atendia os requisitos técnicos". Joyce Igarashi, segundo as investigações, foi demitida do frigorífico em 2014 após um funcionário do Ministério da Agricultura ter acesso a e-mails em que ela denunciava irregularidades envolvendo o Peccin ao fiscal Daniel Teixeira. Já a ex-funcionária Venessa Letícia Charneski afirmou à PF ter sido demitida após denunciar ao fiscal Daniel Teixeira as irregularidades cometidas no frigorífico. Ela relatou ter recebido ameaças da dona do frigorífico, Nair Peccin, para que não delatasse os esquemas de propina e a adulteração da carne produzida pela empresa. A ex-funcionária chegou a gravar conversas nas quais o dono, Idair Peccin, disse que "daria um jeito" em Daniel Teixeira, em acordo com a superior do fiscal, Maria do Rocio. Nair e Idair Peccin tiveram decretada prisão preventiva na Operação Carne Fraca. Eles são investigados por pagar propinas a fiscais para fazer vista grossa à carne adulterada produzida pelo frigorífico. "A Peccin Agro Industrial Ltda. vem a público comunicar, em razão da operação Carne Fraca, da Polícia Federal, realizada (no) dia 17 de março, sua grande surpresa, consternação e forte repúdio as falsas alegações que culminaram com a prisão preventiva de seus diretores, esclarecendo o seguinte: 1. A Peccin Agro Industrial Ltda. tem amplo interesse em contribuir com as investigações, em busca da verdade, estando inteiramente à disposição das autoridades policiais para prestar quaisquer esclarecimentos que se façam necessários; 2. A Peccin Agro Industrial Ltda. declara que está confiante de que os órgãos competentes saberão discernir a efetiva veracidade dos fatos que ora se alegam, ainda, conclama pela paciência e serenidade da sociedade para o esclarecimento dos fatos verdadeiros; 3. Por isso a Peccin Agro Industrial Ltda. lamenta a divulgação precipitada de inverdades sobre o seu sistema de produção, sendo que as informações repassadas ao grande público foram no afã de justificar os motivos da operação "Carne Fraca", modificando os fatos e comprometendo a verdade. 4. Por fim a Peccin Agro Industrial Ltda., esclarece que não tem qualquer vínculo comercial ou societário com a Peccin S/A, indústria gaúcha de doces e chocolates. Gustavo Sartor, advogado de Maria do Rocio Nascimento, informou que "em razão do sigilo do Inquérito Policial não irá se manifestar." O laboratório Laboran foi contatado pela reportagem, mas ainda respondeu até a publicação desta matéria. O espaço está aberto para sua manifestação. BN
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