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sábado, 28 de dezembro de 2013

O pessimista


* Leusa Santos é jornalista e editora executiva da Folha de Pernambuco. Escreve aos domingos neste espaço. http://www.folhape.com.br/

O pessimista

Carlos Otávio era um pessimista nato. Morreu faz cinco anos, mas suas histórias continuam vivas até hoje. Vivíssimas, por sinal. Não era homem de meias palavras, nem de fazer rodeios. Ou era, ou não era. Realista? Mais que isso: pessimista! Carlos Otávio tinha uma teoria que sempre bradava nas conversas com os amigos. Dizia que era bem melhor ser sempre pessimista porque se acontecesse o melhor, era lucro.

Essa ideia tem até um pouco de lógica. Arthur Schopenhauer, filósofo alemão que viveu no século 19, é conhecido vulgarmente por ser pessimista. Talvez porque suas concepções não comungassem exatamente com o que era considerado ‘normal’ na época. Para ele, o ser humano é teimoso. Insiste em continuar vivendo, em batalhar pela vida, quando sabe que o que lhe aguarda é a morte certa. Talvez por isso seja conhecido pelo pessimismo.

Mas Carlos Otávio não era tão profundo assim. Ele focava as coisas do cotidiano. Simples e certas. Quando enviuvou, foi o único que parecia inteiro no enterro de Ernestina, com quem vivera 40 anos. Os filhos estavam em frangalhos. Os netos choravam um pouco. Mas Carlos Otávio estava lá, firme, triste e controlado. Conformado, melhor assim dizer. Quando recebia os pêsames, dizia, sobriamente: ‘É da vida’.

Também não era um poço de lamentações, como aquela hiena chamada Hardy, famosa pelo bordão “Oh, vida! Oh, azar!”. Não era assim um derrotado inveterado Carlos Otávio. Estava na sua, mas, se algo acontecesse ou fosse acontecer, ele esperava pelo pior. Certa vez entrou no bolão da loteria de final de ano onde trabalhava. Os amigos até sentiram um frio na espinha quando ele disse que ia participar. Carlos era conhecido também como pé frio. Mas não puderam fazer nada. Ele já tinha dado o dinheiro à menina que estava organizando.

O bolão não saiu, mas tiraram o terno. Carlos Otávio ficou feliz da vida. Parecia que tinha ganhou a quadra ou a quina. Os amigos riram um sorriso amarelo, mas ficaram frustrados. E Carlos Otávio passou a virada do ano mais feliz da sua vida porque tinha acertado três números da loteria.

Quando Ernestina o traiu com o seu melhor amigo, também não se abalou. Já esperava que não daria para ser fiel por 40 anos. Nem ele, nem a mulher, apesar da criação tradicional que ela recebera dos pais. Carlos Otávio conheceu Ernestina em um baile de formatura. Ela derrubou suco de uva no seu paletó e ele riu. Disse que já era muito bom estar no baile porque não tinha dinheiro nem para a passagem. Sair de uma festa com o paletó manchado era até vantagem.

Carlos Otávio morreu aos 72 anos, vítima de pneumonia. Assim como Schopenhauer. Morreu sorrindo.

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