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sábado, 8 de junho de 2013

Você exigiria ?

Se sua mulher fosse estuprada e engravidasse do criminoso, você exigiria que ela desse à luz?

Cuidaria dela e daquele filho que não é seu, fruto de um abuso, uma violação, durante nove meses?

Pois é exatamente isso que os deputados Luiz Bassuma (PT-BA) e Miguel Martini (PHS-MG) querem que você faça. Eles são os autores do “Estatuto do Nascituro”, um projeto de lei de 2007 que acabou de ser aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara.

Na verdade, a ideia é um pouco anterior. O texto que acaba de ser aprovado é uma nova versão de um projeto de 2005 que já foi arquivado, cuja redação original foi dos deputados Osmânio Pereira e Elimar Máximo Damasceno. Imediatamente depois do primeiro “estatuto” ser rejeitado, o modificaram um pouco e apresentaram a proposta novamente. Em outras palavras, estão tentando nos empurrar goela abaixo algo que já foi considerado inválido.

Me dirijo aos homens, como eu, porque normalmente leis que versam sobre esse tipo de tema são solenemente ignoradas por nós. Não é comum ouvirmos falar de um homem estuprado, embora ocorra. A maioria dos que são vítimas nunca tocam no assunto por vergonha. E homens não engravidam. Por outro lado, a cada 12 segundos uma mulher é estuprada no Brasil. Até você chegar a este ponto do texto, já foram pelo menos três.

Talvez por isso boa parte de nós, homens, tenhamos dificuldade em nos colocar no lugar delas. Faça um exercício de imaginação. Imagine a mulher que você ama sendo ameaçada por outro homem. Imagine ele batendo nela. Imagine ele tirando a roupa dela à força, e em seguida enfiando o pênis dele nela. Imagine o que ele está falando e como ela tenta se livrar dele. Imagine o sêmen dele jorrando para dentro dela. Agora imagine ela grávida depois disso tudo. O que se passaria na cabeça dela – e na sua – se tudo isso acontecesse? O que você e ela fariam quando soubessem da gravidez?

Suponho que neste momento a maioria dos leitores já desistiu de continuar, possivelmente devido a uma descrição tão vívida de um estupro. Mas é importante falarmos um pouco mais sobre o tal estatuto. De forma maquiada, enfeitado por uma série de palavras bonitas, ele prevê que toda gestante deve levar a gravidez até o fim. Todas elas. Pouco importa se a concepção foi devido a uma violência sexual, se o feto não tem chances de sobreviver após o nascimento (como no caso de anencéfalos), se sofre de alguma doença grave, ou se a gestação apresenta risco de vida para a gestante e/ou para o bebê. Em todos esses casos, a mulher teria de ir até o fim. Se isso representar um risco para a vida ou para a saúde dela, incluindo a saúde mental, dane-se. Pouco importa o que ela pensa sobre o assunto. E pouco importa o que você – marido, pai, irmão ou filho – pensa sobre o assunto.

Mas esse não é o único absurdo dessa proposta insana. Caso sua esposa, filha ou irmã tente interromper a gravidez de alguma forma, ficará na prisão por um a três anos. O médico ficará preso por quatro a dez anos. E se você, leitor, tiver se manifestado a favor do que ela fez, será preso também – durante um a dois anos.

E não é só isso. Qualquer um que se referir ao “nascituro” com “palavras ou expressões pejorativas” pode ficar encarcerado por até seis meses. Se manifestar publicamente a favor de um aborto ou de alguém que o tenha praticado renderia de seis meses a um ano de prisão. Essa mesma pena seria aplicada a alguém que “injuriasse” o nascituro através de um veículo de comunicação. Coitado do Rafinha Bastos.

Por sinal, o tal estatuto tem também algumas coisas a dizer sobre fertilização in vitro e pesquisas com embriões. “Congelar, manipular ou utilizar nascituro como material de experimentação” passará a render de um a três anos na cadeia. Nunca mais teremos clínicas de fertilização artificial no Brasil, pois todas elas dependem desse tipo de técnica. Os casais inférteis que sonham em ter filhos terão de buscar tratamento em outros países ou desistir de vez do sonho.

Essa também é uma boa pergunta que pode ser feita ao leitor: se você e sua esposa não conseguissem ter filhos pelo método tradicional, gostaria que o governo te proibisse de tentar uma fertilização em laboratório?

Eu poderia gastar linhas e mais linhas argumentando sobre como a pesquisa científica no Brasil já é atrasada em algumas áreas e como isso se deve, em parte, à nossa legislação conservadora no que tange o uso de embriões. Poderia apresentar dezenas de estatísticas sobre a violência sexual contra as mulheres e o perfil das vítimas. Poderia apresentar estatísticas sobre o aborto legal e o ilegal, bem como o perfil das mulheres que abortam – em sua maioria católicas, que já possuem um filho e que têm parceiro fixo. Poderia mostrar como o número de abortos diminuiu nos países em que ele foi descriminalizado. Poderia demonstrar, sem a menor dificuldade, a quantidade de traumas e doenças psicológicas que se desenvolvem em mulheres que engravidam de estupradores. Poderia mostrar o histórico dos deputados autores da proposta, evidenciando que são faltosos e possuem projetos irrelevantes. Também não seria nem um pouco difícil demonstrar como a questão sobre “em que momento se inicia a vida”, tão difundida nos debates de senso comum sobre o assunto, é completamente errônea e enganosa. Mas, sinceramente, nada disso interessa mais. A informação está ao alcance de qualquer um que tenha acesso à internet e se dê ao trabalho de digitar algumas palavras em um site de pesquisa. O que interessa realmente é que existem políticos no Brasil que acreditam que deve-se promover direitos humanos para alguns negando-os a outros. Querem ampliar os direitos de um ovo – 
sim, esse é o termo técnico que designa o óvulo fecundado: ele só se torna um embrião semanas depois – enquanto retiram direitos das mulheres adultas. E dos homens adultos também, por tabela. Um punhado de células, sem nada que se assemelhe a uma consciência ou uma personalidade, passará a ter mais direitos. E você passará a ter menos.



O motivo? Como de costume, religião. Luiz Bassuma é espírita e admite que suas posições em relação ao tema derivam de sua visão religiosa. Miguel Martini é católico, membro da renovação carismática. Como muitos outros, não entenderam ainda o que é um estado laico. Se sua religião não permite que você faça um aborto ou que manipule embriões, não o faça. Mas não imponha as suas regras a toda a população de um país. Nem todos pensam como você, e as pessoas têm o direito de não concordarem com a sua visão de mundo. Não se intrometa na vida daqueles que não são membros da mesma religião que você. Eles não têm nada a ver com as suas escolhas.

No final das contas, muitos políticos e eleitores precisam aprender que a religião se assemelha a um pênis: não há problema em ter uma ou em gostar de ter uma. Mas não a fique exibindo em público, não escreva leis com ela, não tente enfiá-la na garganta dos outros à força – exatamente como se faz em um estupro.

Falando em estupro… Se sua namorada, esposa, filha ou irmã fosse estuprada e engravidasse do criminoso, você exigiria que ela desse à luz? Insistiria que ela deveria ficar com o bebê? Se sentiria confortável olhando todos os dias para aquele ventre? Pensaria sobre o que está dentro dele? Sobre o quê aquela gravidez representa? Em que você e ela pensariam ao se olharem no espelho?

Nos cinco minutos que você levou para ler este texto, vinte e cinco mulheres foram estupradas no Brasil. Talvez você conheça alguma delas.

Não fique parado sobre essa questão. Pesquise o assunto. Telefone para a câmara federal reclamando. Envie e-mails em protesto para os deputados. Debata com seus conhecidos sobre isso. Organize um protesto nas ruas.

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