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domingo, 24 de fevereiro de 2013

Ataques em Santa Catarina expõem força de facções nascidas nos presídios brasileiros


Renata Mariz - Correio Braziliense
Crias do caos prisional e tratadas com indiferença por governos que teimaram em negar publicamente sua existência, as facções criminosas encontraram espaço para crescer e se fortalecer no Brasil. A recente onda de violência em Santa Catarina, que já alcançou 37 municípios e mais de uma centena de ataques, obrigou autoridades locais a reconhecerem mais uma organização gestada nas entranhas do Estado. O Primeiro Grupo Catarinense (PGC), ao ordenar de dentro das cadeias os atentados nas ruas, soma-se a um mosaico de siglas que, de tempos em tempos, aterroriza a população. Do CV, abreviação de Comando Vermelho, criado em 1979 no presídio de Ilha Grande, em Angra dos Reis (RJ), aos dias atuais, há pelo menos 13 grupos no país merecedores da atenção dos setores de inteligência da segurança pública.

Em Foz do Iguaçu (PR), organização chamada Primeiro Comando Paranaense já foi mapeada pelos órgãos de segurança. Em cadeias de São Luís e do interior, ficou confirmada a existência do Primeiro Comando do Maranhão. Na Bahia tem um braço forte do Primeiro Comando da Capital, conhecido por PCC, nascido na Casa de Custódia de Taubaté (SP). Sem contar as brigas internas que geraram, no Rio de Janeiro, os Amigos dos Amigos (ADA), os Inimigos dos Inimigos (IDI), os Amigos de Israel (AI), entre outros. Em São Paulo, o Comando Democrático da Liberdade (CDL) surgiu em oposição à sanha arrecadatória do PCC.


Policiais, procuradores e promotores de Justiça, administradores penitenciários, entidades ligadas à questão prisional, parlamentares e acadêmicos ouvidos pelo Estado de Minas são cuidadosos em tratar do assunto. Muitos exigem anonimato para falar do tema e evitam pronunciar as siglas. É unânime, entretanto, a opinião de necessidade de vigilância total. Diretor-geral do Departamento Penitenciário do Paraná, Maurício Kuehne não esconde a realidade. “Reconhecemos que existem facções criminosas dentro dos presídios, mas não entramos em detalhes por uma questão de segurança. Posso dizer que eles são monitorados”, afirma Kuehne, que é promotor de Justiça aposentado.

Em Santa Catarina, o PGC surgiu em 2003, segundo o promotor de Justiça Alexandre Graziotin, coordenador do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do estado. Segundo ele, há outras facções menores e pelo menos dois terços da massa carcerária estão ligados a algum grupo. “Virou uma questão de sobrevivência dentro das unidades estar associado a alguma liderança.” O promotor explica que o PGC foi criado por detentos que retornaram às cadeias catarinenses depois de uma temporada em presídios federais. “Lá, tiveram contatos com membros do PCC e trouxeram a ideia, tanto que o estatuto é muito semelhante ao da facção de São Paulo”.

OBSTÁCULOS 

Apesar das informações coletadas, Graziotin ressalta as dúvidas que ainda pairam a respeito do grupo. “Sabemos que há um comando, disciplina, repasse de informações. Mas de onde vem o dinheiro e se a prática criminosa dos membros é independente ou se eles se reúnem são alguns dos pontos em apuração”, afirma. O deputado federal Domingos Dutra, relator da CPI do Sistema Carcerário, destaca que, mais ou menos organizadas, as facções estão presentes em praticamente todo o país. No relatório feito pela comissão, que visitou presídios de norte a sul em 2009, estão as provas inequívocas da existência dos grupos organizados.

No Mato Grosso do Sul, em letras douradas, o grupo flagrou uma mensagem de Feliz Natal assinada pelo Primeiro Comando de Mato Grosso do Sul pregada na parede do pátio do presídio. Em uma unidade do Ceará, a comissão encontrou um corpo pendurado em uma corda, com um cadeado na boca e um cartaz no pescoço escrito: “PCC”. Na Bahia, foram levantadas informações de que a mesma facção havia pagado inscrições do concurso para agente penitenciário a “irmãos”. Os funcionários são peça-chave para garantir a entrada de celulares, armas e drogas nas cadeias.

SEM PUNIÇÃO 

Procurador de Justiça de São Paulo, Gabriel César Inellas ressalta que a corrupção está no cerne dessas organizações. “O problema é a impunidade. O mau policial, o mau agente penitenciário e os próprios criminosos sabem que nada acontecerá. As penas estão cada vez menores, estamos brincando de combater a violência”, lamenta Inellas. Para o deputado Fernando Francischini (PSDB-PR), delegado da Polícia Federal e integrante da Comissão de Segurança Pública da Câmara, a criação dos grupos vêm da situação degradante a que o preso é submetido e da ganância pelo dinheiro fácil oriundo do crime. Ele apresentou projetos para coibir o avanço dos grupos. Um deles estabelece para o Brasil regime de disciplina dentro das penitenciárias inspirado no modelo norte-americano. “Interfone para o preso falar com advogado, banho de sol sozinho, fim de visita íntima. É preciso desorganizá-los.” 

Enquanto isso...

… Legislação defasada

Enquanto o país assiste a ondas de violência capitaneadas por facções criminosas — como a enfrentada por São Paulo no ano passado, com saldo de mais de 300 mortos em três meses; ou os ataques a ônibus, carros e bases da polícia no Rio de Janeiro, em 2010 —, a legislação penal não prevê sequer a existência de tais grupos. O Projeto de Lei 6.578/2009, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, tipifica as organizações criminosas, atualizando conceitos ultrapassados de bando ou quadrilha, da década de 1940, e aumentando as penas. A punição passa a ser de três a oito anos de prisão. Hoje, é de um a três anos. Se aprovado na CCJ, seguirá ao plenário do Senado e, depois, caso não haja modificações, para sanção presidencial.

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