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sexta-feira, 14 de setembro de 2012

RECORDAÇÕES DO PASSADO


Por Humberto Pinho da Silva
Parece ser sina de velhos acordar o tempo que já não é. Lenitivo que purpurina derradeiros raios do Sol que acalentam o declinar da tarde outonal.
Veredas que todos percorremos, se a Previdência não colhe a vida em flor. Não sou exceção.
Fecho os olhos e vejo-me – como muitas vezes se vê melhor com eles cerrados! …. - ao doce regaço de minha mãe, na velha casa de alforge do século XlX , onde nasci, sentado num banquinho de madeira, à sombra de pelargónios, que se entrelaçavam nas grades verdes do terraço.
Vejo, meu pai, aconselhando-me, e imprimindo ensinamentos, que a juventude menosprezou.
Vejo-me, sentado na velha carteira da escola, entre garotos travessos, cochichando; e sinto horrorizado, como outro Santo Agostinho, o temor da palmatória punitiva.
Vejo-me, de cabeça pendente sobre a longa secretária, tentando reter o que a memória não queria ou não podia alcançar.
Ouço - como ouço!- meu pai acicatando-me: "Querer é poder!" Eu queria... mas não podia.... Deste jeito conclui, no meu pensar pueril, que o anexim era de crueldade atroz.
Vejo-me, adolescente, calcorreando velhas e típicas ruas tripeiras, na companhia de amigo inseparável, que o tempo separou.
Vejo-me, em Bragança, a cumprir o dever à Pátria; e revejo, de olhos orvalhados de gratidão, o primo amigo que cuidou de mim com amor paternal.
Vejo-me, enrubescer de pejo, ao inquerirem, diante de companheiros de folguedo: - "Por que não estuda, se tão inteligente é !?" Como iria explicar! …. se passava horas e horas de profunda mágoa e intima tristeza, por não conseguir acompanhar os condiscípulos!
Quis Deus ou a bondade dos professores, que chegasse ao ensino médio, hoje superior.
Mas nem tudo foram lágrimas de aflição. Passei férias encantadoras no viçoso Vale da Vilariça. Conheci gente maravilhosa e amiga, e também duas formosas garotinhas, que alegraram, em terras transmontanas, a minha triste soledade; meninas que encheram, o sofrido coração, de copiosas risadas de alegria.
Agora vivo de saudade, do tempo que passou... e não volta mais... ladeado de livros e amigos, dos poucos que persistem em o ser.
Ao observar pálidas e amarelecidas fotos, objetos que foram de meus avós e pais; ao ver cantarinhas de tosco barro vermelho, ofertadas em tépida e risonha tarde de Primava, no vetusto e sempre querido burgo de Bragança, afloram-me, aos fatigados olhos, dolorosas lágrimas de saudade… E triste, muito triste, compreendo, que o tempo que passou, já não passa mais.
Avivam-se agora, novamente, reminiscências de outros tempos. Por ditosa magia, tudo se afigura, tudo renasce, como se fosse presente. Animam-se, crescem, ganham vida, e resplandecem cenas tão vivas, tão coloridas, que chego a pensar, que o tempo que passou, ainda é.
Ouço – como ouço, Deus meu! - a voz dolorosa, como murmúrio longínquo, de minha mãe agonizante; e ainda sinto o terno afago de sua delicada mão, cor de areia….e, arrepiado, como se corrente eletrizante percorresse-me o corpo, pressinto , remotos e ancestrais medos, e vozes que já não são, que escurentaram a nem sempre feliz meninice.
Professores, primo amigo, garotinhas de Traz-nos Montes, antepassados, vozes ancestrais, que vivem dentro de mim, em silêncio, como nunca deixasse de ser menino, eu vos agradeço. A todos sou devedor, a todos devo, o que fui e sou.

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